Gigantes que não morrem

Mas Davi retrucou ao filisteu: "Tu vens contra mim com espada, lança e escudo; eu, porém, venho a ti em nome de Iahweh dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel que desafiaste. Toda a terra saberá que há um Deus em Israel, e toda esta assembleia conhecerá que não é pela espada nem pela lança que Iahweh concede a vitória, porque Iahweh é o senhor da batalha e ele vos entregará em nossas mãos." Davi pôs a mão no seu bornal, apanhou uma pedra que lançou com a funda. Desse modo Davi venceu o filisteu com a funda e a pedra: feriu o filisteu e o matou; Davi correu, pôs o pé sobre o filisteu, apanhou-lhe a espada, tirou-a da bainha e a cravou no filisteu e, com ela, decepou-lhe a cabeça. I Samuel 17.45,47,49 e 50
Davi e Golias, R Leinweber
A história da Bíblia mais conhecida e, talvez por isso, mais apreciada pelas crianças de todo o mundo é, sem dúvida, o duelo entre o jovem Davi e o gigante Golias. Por gerações, essa história que durante muito tempo foi contada literalmente através de um flanelógrafo, hoje é exibida em data show e com uma série de restrições para torná-la politicamente correta e acessível aos sensíveis ouvidos das gerações atuais. Já não se pode mais dizer que Davi matou Golias, da mesma forma que não pode mais cantar “atirei o pau no gato”. Sem querer contestar o desenvolvimento das ciências sociais que desembocou nesta conclusão, quero dizer que em termos doutrinários, para a igreja, isso é uma enorme baboseira.

Segundo este pensamento, daqui para frente vamos ter que contar às crianças que Jesus não morreu na cruz, que Estevão não foi apedrejado, que Paulo não foi decapitado e que não houve cristão sequer que tenha morrido nas arenas romanas. Se o intuito de tudo isso na vida secular é evitar que as crianças se tornem, mais tarde, adultos neuróticos com tendências criminosas, o que podemos projetar para o futuro das nossas crianças no contexto religioso a na vida da igreja? Será que iremos formar cristãos mais conscientes, amorosos e fiéis? Será que estamos criando uma geração de grandes pregadores e ativistas evangélicos?

Até onde posso perceber, nós criamos sim uma geração de levitas, de ministros de louvor, de apóstolos e de ungidos do Senhor, que além de constituírem a casta superior e privilegiada da igreja, são também intocáveis, inquestionáveis e irrepreensíveis, pois segundo eles mesmos apregoam: ai daquele que tocar no ungido do Senhor.

O que mais me entristece nisso tudo é ver que os citados Paulo, Estevão, o próprio Jesus, não tiveram a lucidez de tomar esse versículo devidamente engendrado por Saul, para ameaçar e repelir de vez os seus inimigos juntamente com as suas ameaças. Causa-me um sentimento profundo de derrota constatar que, por conta dessa inadmissível falha, esses incautos cristãos tivessem que passar por tantos tormentos e aflições, em nome de um evangelho que disponibiliza uma quantidade enorme de artefatos protetores e frases de efeito libertador.

Não sei onde isso começou, mas posso traçar um perfil da situação a que tudo isso está nos levando. Se não podemos mais contar as crianças o furor da batalha, também não vamos poder contar que de quem são os méritos da vitória, e assim, vamos dar mais crédito e mais louvor aos que se anunciam como guardiões da autêntica, única e aceitável forma de adoração. O versículo chave desse texto, e que orienta todo o desenrolar da situação é esse: não é pela espada nem pela lança que Iahweh concede a vitória. Foi exatamente isso que Israel aprendeu naquele dia. Que não são os nossos dons e atributos que fazem a diferença, que não é a beleza da voz que torna o louvor mais digno, que não são os títulos ou diplomas que traduzem mais fielmente a vontade de Deus.

Realmente estamos criando uma geração de cristãos iludidos. É por isso que as ciências sociais têm conseguido influenciar tanto a doutrina da igreja, quando a influência deveria ser exatamente ao contrário. É por isso também que estamos começando a tratar as histórias da Bíblia como contos de fadas, assim como são os contos de várias religiões pelo mundo. Por trás disso tudo há uma ameaça infinitamente maior, por isso bem nos advertiu Gilbert Cherteston sobre o perigo das ilusões que esses contos criam: Contos de fadas não fazem as crianças acreditarem que monstros existem. As crianças já sabem que eles existem. Contos de fadas fazem as crianças acreditarem que monstros podem ser mortos por nós.




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