O que é PENITÊNCIA?

Penitência de Davi, ilustração do século X
As sagradas Escrituras não contém uma palavra apropriada para o nosso conceito de penitência, quando a associamos ao conceito de ações externas que acompanham o arrependimento e à conversão. Contém sim atitudes de contrição que podem ser inspiradas pela consciência pessoal ou um ato da comunidade. No Primeiro Testamento os aspectos essenciais de tais atitudes são: a confissão de pecados e
a oração de pesar e pungimento. A lei judaica prescreveu penitências para todos os tipos de pecados, desde os involuntários até os pecados nacionais. Uma confissão geral de pecados era formulada pelo sumo sacerdote no Dia da Expiação coletiva.

Existiam também os chamados salmos penitenciais, que confessam abertamente a culpa do seu autor e suplicam o perdão ainda que imerecido: Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar. (Sl 51.4) Encontramos orações penitenciais também na literatura bíblica mais recente, tanto nos textos canônicos: Atenta do céu e olha da tua santa e gloriosa habitação. Onde estão o teu zelo e as tuas obras poderosas? A ternura do teu coração e as tuas misericórdias se detêm para comigo!, como nos textos deuterocanônicos: nós pecamos, agimos impiamente, temos sido injustos, ó Senhor nosso Deus, contra todos os teus mandamentos. Afaste-se de nós a tua ira, porque não somos mais do que um resto no meio das nações para onde nos dispersaste.( Br 2.12)

Mas não era só em palavras que a penitência era manifesta. Ela também se expressava através de atos, como: chorar, jejuar, vestir sacos, rasgar as vestes, cobrir a cabeça com cinza ou sentar-se nela, até os mais desesperados, como arrancar os cabelos ou a barba. Ouvindo eu tal coisa, rasguei as minhas vestes e o meu manto, e arranquei os cabelos da cabeça e da barba, e me assentei atônito. (Ed 9.3) Encontramos também referências à penitência expressada através costumes pagãos, como fazer lacerações no próprio corpo. Mas o mais comum era apresentar a confissão e a consequente penitência através de esmolas e obras de caridade.

Havia uma diversidade tão grande de formas e práticas que o indivíduo ficava sem base para um sentimento profundo de arrependimento pessoal e sem a consciência da necessidade do perdão. Todos esses atos caíam no vazio, e seu conteúdo era tão inexpressivo que os profetas reagiram severamente a eles. Foram incansáveis e demonstraram toda a sua intolerância quando afirmaram que a essência da atitude penitente era a obediência irrestrita aos mandamentos de Deus, que se manifestavam através da justiça e do juízo: Eu os remiria, mas eles falam mentiras contra mim. Não clamam a mim de coração, mas dão uivos nas suas camas; para o trigo e para o vinho se ajuntam, mas contra mim se rebelam. (Os 7.13s)

O Segundo Testamento contém pouquíssimos dados a respeito das manifestações externas de confissão e arrependimento. Isso é uma consequência da natureza de conversão que ele apresenta. Conversão não é apenas uma mudança no comportamento moral, mas uma iniciação a uma nova realidade de perspectivas presentes, futuras e escatológicas. O dom do perdão concedido por Deus através de Cristo transcende a todo esforço humano em tentar se penitenciar de alguma forma pela sua culpa. É claro que sinais externos de tristeza pelos pecados cometidos acompanham o convertido, que a confissão de pecados ainda é uma prática exigida e de grande necessidade, mas elas não diminuem o valor nem a intensidade da obra redentora de Deus em seu Filho pregado na cruz do Calvário. Os dignos frutos da penitência na realidade não são as obras, estas são consequências de uma conversão interna. Nem mesmo os sacrifícios que exigem que sejamos imitadores de Cristo pertencem ao terreno da penitência, nem o celibato, nem a temperança e nem a abstenção de prazeres ou condutas. Estes estão na casa dos valores sobrenaturais, que tem proveito pessoal, mas que para a comunidade religiosa tem valor relativo. Tudo mais se esvai nas palavras de apropriadas e bem ditas de João Wesley: A excelência da sociedade para a reforma dos costumes é...primeiro, mover campanha aberta contra toda a impiedade e injustiça que cobrem a terra como num dilúvio, e isto é um dos meios mais nobres de confessar a Cristo.

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