O que é CONSCIÊNCIA? I

Paulo no Areópago, Mariano Fortuny (1871-1949)
Se em nossa língua o termo tem diversos significados, na Bíblia ele significa a faculdade intuitiva pela qual se julga um ato realizado ou a realizar. Mais do que a ciência teórica do bem e do mal é o julgamento prático pelo qual se considera se algo foi para mim bem ou mal. Contudo, a Bíblia não teve uma palavra própria para designar a consciência antes do contato com a cultura grega. A palavra syneidesis só aparece nos deuterocanônicos como sendo um julgamento interior do mal. Está ausente nos evangelhos, mas Paulo o usa com muita frequência, o que nos possibilita comparar os três pensamentos que escreveram o Segundo Testamento: o hebraico, o grego e o paulino.

Quando queria fazer referência ao que chamamos de consciência, o hebreu não a atribuía ao coração e sim aos rins, pois este era o centro nervoso dos seus sentimentos, como também o orgão que é constantemente sondado por Deus. Mas nem sempre o julgamento da consciência depende da presença de Deus. Jó a declara diante dos seus acusadores, e perante Deus a sua justiça: À minha justiça me apegarei e não a largarei; não me reprova a minha consciência por qualquer dia da minha vida. (Jó 27.6) É ele quem primeiro declara: Meu coração não me acusa, mas ele tem que se arrepender no pó e na cinza. (Jó 42.6) Por mais que Jó prezasse a sua consciência, como fazia diante dos seus amigos, ainda assim não se sentiu capaz de avaliar o mistério de Deus através dela.

Diversamente à justiça e Jó, exaltada por Jesus, a dos fariseus era condenada, pois era projetada unicamente a uma prática material da lei. Jesus não faz por abolir a lei, mas ele mostra que é a consciência pura quem deve regê-la. Jesus ensinava os seus discípulos a julgar com o coração, tendo uma consciência cada vez mais livre, para conseguir alcançar o estado de graça onde a sua consciência dominará plenamente a nossa: Assim já não sou eu quem vive, mas Cristo é quem vive em mim. E esta vida que vivo agora, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se deu a si mesmo por mim. (Gl 2.20)

Paulo toma por empréstimo a palavra syneidesis, mas não o faz das fontes literárias do pensamento grego e sim da linguagem religiosa da época. Esta deve exprimir o julgamento como reflexo da noção bíblica de coração. Esta passagem fica bem perceptível quando ele escreve a Timóteo: Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia. (I Tm 1.5) Coração, consciência e fé devem estar obrigatoriamente presentes em todas as atitudes, mesmo as mais caridosas. Se a intenção é reta, se a fé proporciona uma convicção sólida, então a consciência estará satisfeita. Assim o coração do cristão obedece a autoridade secular não por medo da punição, mas pela consciência e pela fé que julgam se esta autoridade está ou não a serviço de Deus.

Porém, a consciência do cristão não é autônoma, ela tende a se libertar cada vez mais em virtude do conhecimento que se adquire e pelo aprofundamento da fé. O julgamento da sua consciência está sempre sujeito ao julgamento de uma consciência maior. Paulo, em pleno acordo com Jó também dizia: Mas para mim não tem a menor importância ser julgado por vocês ou por um tribunal humano. Eu não julgo nem a mim mesmo. A minha consciência está limpa, mas isso não prova que sou, de fato, inocente. Quem me julga é o Senhor. (I Co 4.4) Para este apóstolo, ter boa consciência significa ter o testemunho do Espírito: O que eu digo é verdade. Sou de Cristo e não minto; pois a minha consciência, que é controlada pelo Espírito Santo, também me afirma que não estou mentindo. (Rm 9.1) A consciência não é um deus autônomo e somente poderá se qualificada como boa e pura se for autenticada pela fé: ...antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, ...(I Pe 3.16s) (continua)

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