Um doce e suave veneno

Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Salmo 1
David toca a cítara, Andrea Celesti (1637-1712)
Texto extraído do Livro Salmos para o Coração do rev. Jonas Rezende.
Você sabe? Este salmo sempre haverá de me lembrar meu velho professor Herculano Gouveia, e a maneira como ele ensinava no Seminário Teológico de Campinas, São Paulo, as regras da oratória sacra ou homilética. Havia sempre nos seus lábios o sorriso amigo, e ele mostrava aos jovens seminaristas a vantagem do bom humor e até de uma anedota como a ilustração que descansa quem nos ouve. Lembro-me do professor Herculano porque ele parecia gostar muito desse primeiro salmo e de sua mensagem.

A abertura do Saltério não poderia ser melhor. Utilizando o recurso de uma poesia que não serve nem de rima nem de métrica, mas encante e seduz pelo brilhante jogo de ideias, comum a toda literatura oriental, o primeiro salmo declara que as escolhas da companhia e proteção de Deus é a escolha mais importante da nossa vida. Por isso mesmo, quem assim se comporta é um homem feliz. Bem-aventurado.

O poeta descreve com força e beleza a vida do justo. Compara esse homem de bons costumes à árvore plantada junto às correntes das águas, com folhagens verdejantes e abundantes frutos. A figura de linguagem é ainda mais expressiva, se nos lembrarmos de que se refere a uma região de solo arenoso e calcinado, onde a escassez de água pode provocar desavenças e conflitos. E o fecho da bem-aventurança revela a dimensão da generosidade divina: tudo o que o justo fizer alcançará absoluto sucesso.

Veja agora como é inteligente e penetrante a forma que o poeta usa para retratar um comportamento perigoso e de crescente gravidade: o justo, diz ele, não anda, não se detém e nem se assenta na roda dos que zombam de Deus. Fica muito claro o perigoso comprometimento, capaz de destruir a vida por completo, e é algo que se insinua de modo quase imperceptível e inocente, quando desliza para dentro de nós, mas termina por dominar aquele que, de repente, se descuida e baixa a guarda no momento errado. Quem já não provou um dia desse doce e venenoso cálice? Os jovens na sua procura inquieta de emoções e novas experiências, podem se transformar em vítimas preferenciais. Mas todos, sem distinção, não somos imunes ao seu fascínio.

O salmista então elabora um oportuno paralelo entre a decisão acertada do justo e a infeliz escolha do ímpio, com sua inevitável perda de rumo e de sentido para a vida, o que equivale ao exato sentido bíblico de pecado. É certamente por isso que poeta do Eterno conclui: Pois o SENHOR conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá.

No Livro dos Provérbios de Salomão, que nos apresenta uma sabedoria e prática apropriada para a vida cotidiana, encontramos uma solene advertência que bem pode servir de definitivo fecho a este salmo. Veja só o que diz o filho de Davi. Há caminhos que ao homem parece o bem, mas cujo fim é a morte.

Pare, reflita e viva.

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