Inevitável X Responsável II

Última Ceia, Nikolai Ge em1861
Vejam também como todo mundo coloca a culpa na sociedade pelas suas falhas pessoais. As estruturas são responsáveis. Em virtude disso, todos vivem na expectativa de surgir um sistema novo que irá resolver todos os problemas. Esse foi o grande mito do século XX. O Comunismo vingou pela esperança neste mito. Por pior que seja esse sistema, não foi com o nosso consentimento que ele chegou ao poder? Não foi com a nossa permissividade, com a nossa omissão e com a nossa passividade que o nosso mundo político foi construído?

Nós aprovamos tudo que a TV anuncia e até ficamos encantados com as coisas que ela nos fornece. Sem perceber, nós adotamos os seus valores. Na TV o bom é sempre fraco, ingênuo e incapaz. Na TV o poder é bom, mesmo que seja alcançado através da maldade, o fim justifica os meios. A alegria consiste na aquisição ilimitada de bens materiais. É por causa disso que vemos artistas que antes foram famosos nas novelas fazendo circo ou teatro alternativo para conscientizar o povo dos danos que a TV provoca. Eles estão dizendo à Igreja que mudanças exigem sacrifícios. Spencer Tracy no filme O Velho e o Mar, disse: “... O progresso nunca foi um tratado. Há que pagar por ele. Às vezes penso num homem por detrás de um espelho que nos diz: muito bem, pode você ter o telefone, mas deverá sacrificar a intimidade, o encanto da distância... Caro Senhor, pode você, conquistar o ar, mas os pássaros perderão a sua magia e as nuvens cheirarão a gasolina!” Richard Bach complementa: Se buscas a segurança antes da felicidade, a segunda será o preço que terás que pagar pela primeira.

Nós também somos condicionados e controlados pelos outros. Uma ciência que surgiu recentemente chama-se Sociobiologia. É uma ligação estreita entre o Evolucionismo e o Condicionalismo. Esta ciência ensina que o nosso comportamento é determinado pelos nossos vizinhos. Já o nosso aspecto físico é determinado pelos nossos pais. Diz que tudo na sua vida, tanto o que você é quanto o que você faz é determinado pela sua herança. Pode um ser humano ser controlado completamente por fatores externos? Então o que vamos fazer com aqueles que saíram da opressão e pela sua fé, virtude ou coragem conquistaram a liberdade? O que vamos fazer com os heróis da História.

Como cristãos nós somos chamados a perceber e denunciar as injustiças sociais muito mais que qualquer outro grupo religioso ou não. A função do pregador é alertar a Igreja para detectar os focos de injustiça que existem no mundo, mas essa vocação se desvirtua quando ela escuta a nós mesmos e aos outros dizendo que tudo é inevitável. É nessa hora que precisamos ouvir o que disse Tiago: Quando alguém for tentado, não diga: “Esta tentação vem de Deus.” Pois Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo não tenta ninguém. Mas as pessoas são tentadas quando são atraídas e enganadas pelos seus próprios maus desejos. (Tg 1.13s) Quem é responsável? Somos nós mesmos.

Finalmente, vamos considerar o sentimento que nos paralisa quando vemos tantos problemas no mundo. Sentimos as forças abomináveis arrastar o nosso mundo para o caos e não podemos fazer nada. A pobreza, a fome, a poluição, as drogas, a violência. Ficamos estarrecidos ao descobrir que o maior tráfico de armas e de drogas não está nas favelas e nem nos morros, mas nos condomínios caros dessa cidade. A violência maior não é causada pela pobreza ou pela fome, mas pela ganância inconsequente de pessoas das classes média e média alta. O que vamos fazer, aceitar esse fatalismo pessimista? Vamos dizer simplesmente que é inevitável?

Vamos nos lembrar que um fatalismo pessimista não pode jamais ser conciliado ao evangelho de Jesus Cristo. Se existe fatalismo na Igreja é porque nós assim permitimos pela nossa indiferença. O Filho do Homem vai morrer como as Escrituras Sagradas dizem, mas aí daquele que está traindo o Filho do Homem. Seria melhor para ele nunca ter nascido. Inevitável ou responsável? Todos temos presentes e atuantes esses dois fatores na nossa vida. Temos a parcela inevitável, mas isso não nos tira a responsabilidade.

Jesus conhecia bem o plano de Deus para a sua vida. Ele conhecia qual era a sua missão nessa vida. Mas mesmo sabendo que o caminho para Jerusalém o levaria para a humilhação e o sofrimento. Conhecendo a inevitabilidade da cruz, jamais se deixou abater, continuou sempre a trabalhar e a fazer o bem. Pessoas que reconheceram o valor desse sacrifício saíram para transformar o mundo. Até hoje existem pessoas que também saem da sua presença convencidos de que é possível trabalhar nesse mundo inevitavelmente tão perdido. Inevitável? Sim. Responsável? Também. Este é mais do que um paradoxo, é um mistério que só seria desvendado a hora da morte de Jesus. Que Deus nos ajude a entender que não há nada de tão inevitável que a fé em Jesus Cristo não possa assumir a responsabilidade de superar.




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