Um salmo sem ameaças nem ódios

Amo o SENHOR, porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas. Porque inclinou para mim os seus ouvidos, invocá-lo-ei enquanto eu viver. Salmo 116
Texto do rev. Jonas Rezende.
Salmo 116, www.crossmap.co.kr
Os salmos são poemas de inspiração, verdadeiras e belas orações. Mas eles registram também os medos, as culpas e as súplicas do salmista, em contextos históricos concretos. São peças que nascem em corações humanos, e frutos também de humanas paixões. Há dramas que perpassam os salmos, como acontece com as nossas próprias preces atuais. Há imprecações, ódios e ameaças, como você pode constatar se fizer uma leitura atenciosa do Saltério, o que faz desse livro não um devocionário escrito por anjos, para um coral de seres celestiais. Pelo contrário, os salmos tem impressões digitais de seres humanos mergulhados em problemas e lutas, com seus temores e sua falta de solidariedade.

Creio que é possível afirmar, sem nenhum exagero, que o poema que se encontra diante de nós é das poucas exceções. Porque é um salmo ditado apenas pelo amor, a começar dessa bonita abertura: amo o Senhor, porque inclinou para mim os seus ouvidos, invocá-lo-ei enquanto eu viver.

Volto a esta página bela e inspiradora, e lhe digo que me sinto irmão do salmista anônimo. Porque, como ele, amo sem medidas o meu Pai: de todo o coração, de toda a minha alma e de todo o meu entendimento. Gostaria, assim, de oferecer ao salmista o meu poema, que nasceu embalado pela inspiração de seu salmo. E reparto também com você a minha oração, como fazemos com o pão da mesa eucarística que o bondoso Pastor prepara para todos os seres humanos, sem distinção ou exclusão, porque todos são convidados a participar. Mas vamos ao meu salmo, cujo valor único é a busca de Deus e a teimosa esperança do amor:

Eu sei que te amo mais. Jamais bailei nos espaços e os meus pés só se elevam do chão quando sonho embalado no amor. Não me foi reservada a bênção dos místicos que respiram orações e nem precisam do lava-pés. Não ouço noite a dentro a tua voz, e em minha cabeça fervem loucuras, que gravitam ao redor de pecados que riem da minha fragilidade.

Eu sei que te amo mais. Não possuo a fé dos que caminham sobre certezas inabaláveis, e se tornam donos-escravos da verdade. Sou tangido por Descartes e a dúvida explode, sem pedir licença, quando repito o Pai-Nosso ou quando declaro a minha fé.

Eu sei que te amo mais. Não me acomodo em nenhum rebanho, nem tenho os olhos serenos e a mansa fala dos que já se encontraram, e não mais perambulam dia e noite, com insensatas lâmpadas acesas. Descreio das minhas próprias frases e sucumbo diante das iras; palavras amargas arranham-me o fundo dos olhos e a superfície dos meus sorrisos. Sinto-me irmão de todos os malditos que não respeitam a Bíblia, sentem náusea do cheiro adocicado dos incensos; daqueles que rasgam as vestes sagradas, porque desejam secretamente apressar a ressurreição do corpo ou procuram, desesperados, a intimidade de Deus.

Eu sei que te amo mais. Porque quando busco negar-te com insolência e loucura a língua se paralisa e me nega a obediência. E no Vale de Jaboque eu quero secretamente Perder.

Eu sei que te amo mais. Porque minhas perguntas me lançam no Universo, como setas e como sondas, em busca do teu coração.

Eu sei que te amo mais. Porque os meus olhos te enfrentam, os joelhos não vergam, e a boca diz Pai, e nunca mais Senhor. Amém.

Escreva também o seu salmo; registre as ideias que fervem em seu coração.


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