Os pães da criança III

Alimentando a multidão, B.Strozzi (1581-1644)
Muita gente vai dizer que é a massificação da informação, mas é o que ao longo de mais de três mil anos tem dado certo. Este é o princípio da fé, e era exatamente assim que a nosso amiguinho do texto bíblico estava sendo criado. Ele foi ensinado no caminho que devia andar. A criança da multiplicação dos pães foi preparada para escolher andar com Jesus, foi preparada para escolher a melhor parte. Está certo que criança precisa brincar, mas aquela não era a hora para brincadeira. Não importa o que a psicologia moderna descobriu, não importa que avanços foram
alcançados na pedagogia. Se o princípio da sabedoria não for não for a lei do Senhor, vai ser muito difícil levar a cabo uma educação minimamente satisfatória. Eisten dizia: O importante não é se Deus está comigo, e sim se eu estou com ele, porque Deus está sempre certo.

Eu queria terminar citando uma denuncia que o texto faz de mais uma grave violência cometida contra a criança. Os discípulos de Jesus fizeram a seguinte ponderação: Temos aqui cinco pães e dois peixes, mas o que é isso para tanta gente?  Esse é o tipo de atitude que desestimula qualquer iniciativa voluntária, que nunca deveria ser feita na presença de uma criança, para quem aqueles pães e peixes eram tudo que dispunha para o seu sustento. Sabe-se lá a que distância ele estava de casa, de quanto tempo ainda ficaria sem comer novamente. Jesus acolhe aquela oferta, e em vez de ridicularizá-la, como fizeram os discípulos, dá graças a Deus por ela, e logicamente por aquele menino, por aquele pequeno profeta enviado por Deus que saindo da multidão, se revela na hora mais oportuna.

Eu penso também que os evangelistas bíblicos tinham a obrigação moral de deixar registrado o nome dessa criança, para que as futuras gerações de cristãos pudessem homenageá-la dando a seus filhos e filhas o seu nome, assim como fazemos com Paulo, Pedro, Ester, Davi etc. Não sei por que naquela época era tão comum esse infeliz costume de omitir as atitudes louváveis das mulheres e das crianças, assim como também omitiram o nome da viúva pobre, ela que contribuiu mais que todo mundo. Mas os discípulos se deram mal. Como eu disse anteriormente, não estavam lidando com uma criança qualquer. A criança lhes deu uma bela resposta, porque o que ela fez não é coisa que criança alguma faça natural ou espontaneamente. Aqueles que imaginam que a criança nasce pura e inocente deveriam conviver mais perto delas, para ver do que esses anjinhos são capazes. Com certeza existe muita coisa boa numa criança, mas o altruísmo e a voluntariedade não estão entre elas. Ninguém nasce altruísta. Criança nasce de mão fechada. Esse menino aprendeu desde muito cedo a compartilhar, a dividir, a repartir, e isso não acontece da noite para o dia, depende de um longo e penoso aprendizado. Contudo, o que mais surpreende é que essa criança fez muito mais do que isso. Ela repartiu seu lanche sem ser requisitada, sem que ninguém tivesse que pedir ou lhe devesse favores. Assim como que antecipando o milagre, antes mesmo que Jesus repartisse o pão com a multidão, a criança se antecipa e reparte o seu pão com Jesus.

Com toda certeza o menino não era o único naquela multidão a ter um lanche guardado em sua bolsa. Muitos adultos prevenidos tinham escondido no fundo de suas sacolas a sua comidinha. Não se serviram dela para não passarem pelo incômodo de comer diante de pessoas famintas. Talvez para não cederem ao ensejo de ter que dividi-la com alguém. Foi preciso que Jesus os constrangesse com a humilde oferta do menino para que seus corações se fizessem sensíveis. É claro que Jesus poderia ter dado pão e peixe a todos sem precisar de oferta alguma. Se fosse simplesmente assim ele teria dado o inequívoco sinal de que era realmente o Messias enviado de Deus. O milagre da multiplicação da quantidade de pães e peixes fica por conta de Jesus, mas o milagre do quebrantamento dos corações insensíveis e egoístas tem que ser creditado à atitude voluntária daquela criança. Para a igreja fica a lição do quanto a criança tem a dar para a construção do Reino de Deus. Para o mundo, ela ensina que a simples iniciativa de uma única pessoa, pode satisfazer a necessidade de tantos que não tem, ao mesmo tempo em que faz transbordar a alegria da partilha no coração de uns poucos que tem.

Eu queria encerrar falando de uma belíssima música que Toquinho e Vinicius fizeram e que retrata o compromisso de um adulto, no caso eles, assumem com uma criança ao longo da trajetória da vida, na figura de um simples caderno, que, aliás, é o nome da sua composição. Após assumir os tais compromissos, no verso final os autores fazem um pedido, que reconhecem ser um pedido justo, caso eles realmente venham a cumprir com o que se comprometeram nos versos anteriores.

Sou eu que vou seguir você dos primeiros rabiscos até o b-a-ba.
Em todos os desenhos coloridos vou estar.
A casa, a montanha, duas nuvens no céu,
E o sol a sorrir no papel.

Sou eu que vou ser seu colega, seus problemas ajudar a resolver.
Lhe acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver.
Serei de você confidente fiel,
Se seu pranto molhar meu papel.

Sou eu que vou ser seu amigo, vou lhe dar abrigo se você quiser.
Quando surgir os primeiros raios de mulher.
A vida se abrirá num feroz carrossel,
E você vai rasgar meu papel.

O que está escrito em mim comigo ficará guardado, se lhe dá prazer.
A vida segue sempre em frente, que se há de fazer?
Só peço a você um favor, se puder.
Não me esqueça num canto qualquer.

Que Deus nos faça enxergar o tamanho da responsabilidade que é o de lapidar essas joias que ele nos coloca como guardiões, as suas mais preciosas joias, para estarem sempre aptas a andar com Jesus. Que ele nos dê sabedoria suficiente para transmitir a elas os ensinamentos que aprendemos do evangelho. E que nos capacite a dar a elas os exemplos necessários para que possam aprender não somente a amar Jesus, mas aprender o quão importante também é amar como Jesus amava. Mas até lá, que ele tenha misericórdia de nós e que ele, e você meu neto, perdoem as nossas omissões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...