Dez virgens e muitas dúvidas

Parábola das virgens prudentes e insensatas
de  Hieronymus Francken I (1540–1610)   
Leia Mt 25, 1-13
A reboque de pecado de ontem cometido contra o meu professor, vou cair mais uma vez em tentação e fazer alguns comentários sobre esta, que considero a mais intrincada parábola contada por Jesus. E o que eu disse não deve ser considerado simplesmente como uma
citação, mas é sim como um aviso para que vocês não tenham esperança de descobrir aqui o menor indício de explicação ou resposta.

Todo mistério que envolve a parábola advém das circunstâncias em que ela acontece. Nesta parábola que é exclusiva do evangelista Mateus, Jesus realmente nos apresenta uma cerimônia de casamento totalmente inusitada. O salmo 45 nos dá a dimensão exata da importância de um processional de casamento: Em roupagens bordadas conduzem-na perante o Rei; as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à tua presença. Serão dirigidas com alegria e regozijo; entrarão no palácio do Rei. O salmo nos mostra que as noivas são conduzidas à presença do noivo, um ritual que perdura até os nossos dias com a mesma importância relatada pelo salmista. Por ser tão requintada, esta cerimônia é normalmente descrita como um momento de “pompas e circunstâncias”. Na narrativa de Jesus não há nada disso. Não há quem conduza as noivas e muito menos quem providencie os elementos primordiais para a sua entrada. Como diz na minha terra, foi um casamento à La Bangu, fazendo referência não ao bairro carioca, mas ao time de futebol no tempo em que era dirigido por um bicheiro.

Outro detalhe de suma importância nesta narrativa é que as noivas é que literalmente tem que correr atrás dos noivos. Pode ser até uma antecipação da situação em que vivemos, mas naquela época as coisas não eram assim. Pelo menos não é o que diz a Bíblia em Cantares 2, 8: Ouço a voz do meu amado; ei-lo aí galgando os montes, pulando sobre os outeiros. E mais explicitamente em 5,2: Eu dormia, mas o meu coração velava; eis a voz do meu amado, que está batendo: Abre-me, minha irmã, querida minha, pomba minha, imaculada minha, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos, das gotas da noite. E, para espanto de todos, exatamente a hora que seria reservada para o recolhimento do casal ao leito nupcial, o anfitrião marca par dar início ao banquete.

Embora todos esses argumentos sejam apenas detalhes superficiais da parábola, eles nos remetem a fatos relevantes como o tema da vigilância. Mesmo que os fatos não tenham sido narrados numa sequência muito lógica, eles conferem realismo à parábola por tratar de assuntos do presente como do futuro. Quando se refere a uma cerimônia de casamento, fala de um fato corriqueiro da nossa realidade. Mas a parábola nos remete também ao futuro escatológico, quando vislumbra a noiva celestial que desde sempre anseia pela vinda do seu noivo, como diz Alonso Schökel: Não nos esqueçamos que o Apocalipse e a própria Bíblia terminam com a espera ansiosa da noiva/comunidade pela vinda do esposo.

Para consolidar o tema do julgamento das nações, que como disse na postagem anterior, encerra o capítulo 25, as moças estão divididas em dois grupos distintos pelas suas atitudes. Enquanto umas são chamadas de prudentes ou sensatas, as outras são as imprudentes e insensatas. Os temas da prudência e da insensatez são bastante concorridos no livro dos Provérbios como no livro deuterocanônico do Eclesiástico. Estes livros chegam a personificar ambas chamando-as por nomes próprios de Sensatez e Senhora Insensatez, porque concluem que nelas reside o sentido último da existência humana. A Sabedoria construiu a sua casa sobre sete colunas. Pv 9,1

O texto também fala sobre o cuidado que se deve ter com o óleo que alimenta as lamparinas, como este fosse a expressão máxima da vigilância noturna, e que tem características próprias e se fundamenta em prescrições importantíssimas. Para este assunto em particular, o que vale mesmo é a responsabilidade pessoal, pois não dá para transferirmos para outrem este sentimento de vigilância constante. A noite em que o noivo chegar será uma noite jamais igualada, e será envolvida em um clima de alegria e êxtase. Como nos assegura Jesus, não é noite para ninguém dormir, pois o noivo que está para chegar é diferente de tudo que até então já se viu e já se ouviu. É exatamente assim que o descreve o escritor de Cantares: Prometam, mulheres de Jerusalém: se vocês encontrarem o meu amado, digam que estou morrendo de amor. Você, a mais bela das mulheres, responda: será que o seu amado é melhor do que os outros? O que é que ele tem de tão maravilhoso para fazermos essa promessa a você? Entre dez mil homens, o meu amado é o mais bonito e o mais forte. Ct 5,8-10

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