Parábola dos talentos

Parábola dos talentos de Jan Luyken
Porque aquele que tem muito receberá mais e assim terá mais ainda; mas quem não tem, até o pouco que tem será tirado dele. Mt 25,29
Leia Mt 25,14-30

Um professor muito sério do seminário me disse certa vez que não deveríamos pregar tendo como texto base qualquer
das parábolas que Jesus contou. Ele argumentava que a parábola é um ensinamento em que Jesus diretamente põe à prova a nossa capacidade de interpretação, de onde se conclui que cada pessoa deve ter a sua resposta diante do desafio que lhe está sendo proposto. Ele condenava também a iniciativa de identificarmos os personagens da parábola, associando-os aos personagens da Trindade. Ele citava como exemplo uma interpretação que ouvira de um colega pastor sobre a parábola do Bom Samaritano. Dizia esse pastor que o homem assaltado e desfalecido era o homem pecador no seu natural, sem condições de erguer-se moral e fisicamente. O samaritano era Jesus que o socorria, prestando-lhe toda a ajuda necessária, para enfim resgatá-lo do pecado. O dono da estalagem, ele concluiu ser Deus, o construtor e real proprietário do local da salvação, para onde Jesus levara o ferido. Faltava-lhe então arrumar uma função para o Espírito Santo, que, de forma alguma poderia ficar de fora de tão importante parábola. Qual não foi a surpresa deste meu professor quando ouviu seu colega dizer que o Espírito Santo era o burro que levava a Deus, em suas costas, o pecador salvo por Jesus. E é aí que eu lhe dou total razão.

Contudo, meio que contrariando este grande professor, cujo nome era Almir dos Santos, um dos maiores pregadores que já tive oportunidade de ouvir, e que em breve será devidamente homenageado no portal “Grandes Pregadores” deste blog, vou me arriscar a tecer alguns comentários sobre a parábola citada acima, para a qual tenho uma interpretação bem particular.

Convém lembrar que este capítulo de Mateus tem como abertura a parábola das Dez Virgens, cuja interpretação é de alto grau de dificuldade. E lembrar também que ambas as parábolas servem como pano de fundo para o inquérito no processo do julgamento das nações, que tem por finalidade definir quem está dentro quem está fora do Reino de Deus.

Para uma melhor contextualização, caso fosse de ouro, cada talento dado aos empregados equivaleria hoje algo em torno de dois milhões de dólares, o que remete a parábola ao incrível montante de trinta milhões de dólares no final das contas. Quantia essa que o patrão distribui sem reserva ou parcimônia, segundo a capacidade de cada empregado. Neste caso, estamos diante de um dos homens mais ricos de toda a Bíblia. Por conta disso, quero basear os meus argumentos especificamente no critério da distribuição, não esquecendo, é claro, de que na parábola Jesus faz uma analogia com o Reino de seu Pai.

No terreno da economia é bem sabido que aquele que possui uma quantia maior tem mais probabilidade de sucesso nos negócios do que aquele cujo capital é pequeno e limitado. Basta simplesmente observarmos a diferença com que os bancos tratam esses dois empreendedores. Neste caso, é preciso que o detentor do capital menor tenha mais capacidade de gerir lucro do que o seu oponente mais abastado. O mesmo raciocínio pode ser empregado quando tratamos o talento com um dom. As pessoas mais capacitadas de dons naturais tem muito mais probabilidade de serem bem sucedidas do que as que possuem apenas um dom. O mundo artístico está aí para atestar esta tese, e, infelizmente as igrejas também. Os pastores hoje em dia não são avaliados pelos dotes naturais que antigamente eram requisitados, mas sim pela diversidade da sua atuação, que vai desde cantor a animador de auditório. O seu conhecimento teológico, a sua oratória e o interesse demonstrado pelos membros vem muito depois disso.

É de fundamental importância para o entendimento desta parábola o conceito que o empregado tinha de seu patrão: Eu sei que o senhor é um homem duro, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou. Ou seja, para um homem como esse, o critério de avaliação das capacidades dos seus empregados nunca poderia ser igual ao do homem de senso comum, que jamais pensaria em colher o que não plantou e nem juntar o que não semeou. Estamos tratando de um sujeito que, embora seja espantosamente generoso com a sua fortuna, é demais criterioso quando o assunto é avaliação de capacidade. Em vista disso, ouso concluir que o empregado que recebeu apenas um talento tinha, na consideração do patrão, mais capacidade que os outros dois, e era o homem sobre quem mais expectativas tinha, daí a sua real indignação.

Tenho para mim que o sentido moral da parábola não repousa sobre o dinheiro ou mesmo sobre capacidades individuais, mas sim sobre o que cada um faz com aquilo que recebe. O objeto da parábola não é a premiação dos empregados bons e a condenação do mau empregado, mas o que fazer com os nossos talentos, seja dinheiro ou dons naturais, não por nós mesmos ou pelo patrão, mas pelo faminto, pelo sedento, pelo forasteiro, pelo nu, pelo enfermo e pelo aprisionado. 

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