Coisas novas

Nova Jerusalém, Ferdinand I(1015-1065)
Quando nos deparamos com alguns textos bíblicos que fazem contraste entre o velho e o novo, verificamos que o novo sempre prevalece sobre o velho. Desde as palavras dos profetas antigos até o Apocalipse, passando por Jesus e por Paulo, toda esperança está no novo, e assim, o velho é rejeitado. Por que será que estes autores da Bíblia fazem isso? Será que só o novo é que serve? Será que Deus é o Deus do novo? Por que eles exigem tudo novo: o novo nascimento, a nova pessoa, o novo coração, a nova aliança, o novo céu e a nova terra? É bem certo que eles não olhavam o novo e o velho como nós. Nós
sempre anunciamos o novo como sendo um estágio mais avançado do que o velho simplesmente porque é novo. Para nós, o novo por ser novo é melhor, tem mais tecnologia e está mais perto da perfeição. Esta é a nossa crença e esperança: o novo é o aperfeiçoamento do velho. Mas para os antigos não era assim. Para Isaías o velho era aquilo que deveria desaparecer. O velho é aquilo que não deve ser mais lembrado, e este é o destino de tudo o que é criado, desde as estrelas até o ínfimo ser, das nações até os indivíduos, tanto os céus quanto a terra. Quando o novo chega, o que é velho tem que desaparecer. Isaías diz: Não vos lembreis das coisas passados, nem considereis as antigas. Paulo fala a mesma coisa: Esquecendo-me do que para trás fica. Para estes autores o novo não é um aperfeiçoamento nem um melhoramento do velho, mas sim aquilo que nasce da morte do velho. Não é o velho que cria o novo, o que cria o novo está além do velho e também está além do novo. O que cria o novo é o Eterno. Os profetas não somente anunciavam o novo, mas desafiavam o povo descobri-lo. Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura, não o percebeis? Boa pergunta essa. O que Isaías poderia estar sugerindo com ela?

Primeiramente quer dizer que o novo aparece onde e quando Deus quer. Como gostaríamos que fosse criação nossa, não é mesmo? Como gostaríamos de inventar, de planejar, de criar e de impor o novo? Mas não é assim. Nós apenas podemos perceber e constatar que nada nos surpreende mais do que a chegada do novo. E não posso ver o novo a distancia e nem crescendo. Eu não posso premeditá-lo em minha mente, mas por um milagre, o novo nasce justamente quando eu menos espero. Durante anos da minha vida eu tentei ser aceito por Deus, mas um dia eu descobri que eu já era aceito muito antes do que eu imaginava. Na hora do meu maior desespero, da minha maior angústia, quando penso que cheguei ao fim, eu percebo que sou aceito como estou. Acontece quando o velho em mim é intolerável, quando eu já não aguento mais e não vejo nenhuma saída é que o novo vem. É o milagre da graça, não posso forçá-la, somente recebê-la.

Depois disso Isaías diz que o novo vem à luz, e que para isso tem que quebrar o poder do velho. Não podemos vir á luz, não podemos nascer de novo até quebrarmos o poder do velho dentro de nós. E o velho nunca será vencido enquanto não quebrarmos o peso da culpa que o velho deixa em nós. Mas como é difícil deixar o velho para trás, porque se fosse fácil não haveria necessidade do perdão. O perdão significa que o velho é jogado fora pelo poder do novo. A novidade do evangelho nos salva porque tem autoridade para perdoar. Um sentimento de culpa não resolvido, um sentimento de inferioridade, vergonha ou de rejeição na infância é registrado na mente como indignidade, e está é a causa de muitas doenças que só podem ser curadas quando nos sentimos aceitos por Deus, pelos outros e por nós mesmos. Nós sabemos que Deus nos perdoa, isso é uma coisa. A outra é nos esquecermos das coisas vergonhosas que eu faço. Desde criança aprendemos tão bem que as coisas erradas merecem castigo, que quando somos adultos fica difícil quebrar esta relação: culpa exige castigo. Podemos citar de cor vários versículos que falam do perdão, mas se não quebrarmos dentro de nós essa relação, nunca nos sentiremos perdoados.

Finalmente Isaías diz que é Deus quem faz as coisas novas, por isso o novo tem a marca do eterno. O que é realmente novo tem dentro de si a luz eterna. Coisas novas acontecem sempre. Os jornais noticiam tudo o que acontece de novo no mundo inteiro. Podemos dizer que nada hoje é como era ontem, mas podemos dizer também que nada disso que tem acontecido de novo tem transformado o nosso mundo para melhor. Não é assim como o novo de Deus. Só o novo de Deus tem o poder de jogar fora o passado com toda a sua culpa e desgraça na medida do que ele vai além do velho em nós. Deus traz a nova era que jamais ficará velha, ele é o eterno novo, a vida nova, a novidade que inconscientemente esperamos.

Nós queremos afirmar isso hoje, justamente porque na cruz Jesus Cristo desapossou-se de tudo que era velho para nos trazer o novo. Sua linhagem real, sua herança sacerdotal, sua divindade, seu prestígio como Messias prometido foram deixados para trás, foram esquecidos e não consideradas para nos trazer a única coisa que jamais acaba: O amor jamais acaba. (ICo 13,8a)

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