Dar a Deus o que é de Deus

Caim e Abel, mosaico bizantino
Aquele que me traz ofertas de gratidão está me honrando, e eu salvarei todos os que andam nos meus caminhos. Leia Salmos 50

 O salmo 50 é definitivamente o campeão na luta profética contra o relacionamento com Deus que se baseia na troca de bens materiais por bênçãos ou retribuição através de louvores para obtenção de perdão de pecados. Uma leitura honesta seguida de uma interpretação não tendenciosa vai deixar claro quais são, para nós, os parâmetros fixados por Deus para
uma aproximação franca, leal e fundamentada na fé. Ele é também o rompimento total com um conceito estabelecido pela lei judaica que fixou parâmetros meramente humanos nesta relação, e que há muito orientava de forma errada o povo de Deus, pois era opressivo e tinha por meta a espoliação daquele que se achava em pecado em nome de uma religião que muito lucrava com a iniquidade de todo povo. O que em suma se configurava em uma iniquidade ainda maior, por sem punição prescrita para ela.

O salmo desde o seu começo trata de incluir todos os moradores da terra numa perspectiva nova daquilo que vem a ser o relacionamento agradável a Deus. E o faz de maneira nada sutil, conclamando as forças da natureza sirvam de testemunha de que este novo preceito seja visivelmente aquele que é o único que reflete a sua real e verdadeira vontade. Não é mais um mandamento exclusivo de Deus para o povo que se diz seu, mas uma nova ordem para indistintamente todo aquele que um dia ousou estabelecer um contato com a divindade utilizando os meios usuais e tradicionais de uma religião, seja ela qual for. Uma interpretação radical diria que Deus recebe como se fosse para si toda a intenção de aproximação que o homem intenta no transcurso de sua vida, mesmo aquelas que fogem ao padrão aceitável pela religião instituída. Mais ainda, coloca todas as intenções em um mesmo patamar, não se inclinando a ser conivente com qualquer delas. Os versos 8 e seguintes dizem simplesmente isso: Eu não vou repreendê-los pelo sacrifício que vocês costumeiramente fazem, se quiserem continuar errando, tudo bem. Mas se vocês quiserem fazer algo direito, não partam da intenção humana, mas sim da mínima noção que vocês tem de mim. Por acaso eu como carne ou bebo sangue? Existe alguma coisa que vocês possam me dar que eu precise? Existe algo que vocês possam fazer por mim como retribuição à menor bênção concedida?

Após essa providencial chamada à razão, Deus apresenta um rápido balanço contábil das suas posses e as confronta com a precariedade das propriedades que os humanos supõem possuir. Todas as aves do céu, todas as alimárias das montanhas e todos os animais que pululam livres nos campos contra meia dúzia de bodes e uns poucos novilhos. Somente isso basta para dar a dimensão da desproporcionalidade entre o que Deus tem para dar em relação a tudo o que o homem diz já ser seu. A reboque desta conscientização de valores reais, Deus também deixa claro que a maneira como ele vive, é de sua exclusiva competência: O que eu como e o que eu bebo não interessa a você, interessa sim qual é a minha vontade para você. E a minha vontade é que você converta o seu sacrifício, a sua oferta, o seu reconhecimento da minha soberania em favor do seu próximo, pois este precisa de fato. Ou seja, Deus está deixando claro que quer que manifestemos a nossa gratidão para com ele através de uma cadeia contínua de serviço ao próximo. Quer ser realmente grato a Deus? Socorra ao necessitado.

Mas apenas isso não basta. Deus exige também que nos empenhemos em corrigir as injustiças que levam as pessoas a necessitarem de ajuda. Não compactuem com os que roubam, não permitam que os adúlteros se tornem celebridades, não testemunhe falsamente contra o seu vizinho, não sejam juízes implacáveis contra os seus irmãos. E o mais importante: não pensem que suas ofertas ou suas manifestações de louvor vão encobrir os seus erros eu fazer com que eu me esqueça deles.

Uma boa decisão para o ano novo é essa: Dar a Deus o que realmente ele deseja, e nunca aquilo que ameniza a perversão da nossa consciência.

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