Quando a Tristeza Chega III

Stanley Jones na Índia em 1973
(Trecho do livro do rev. Stanley Jones  (1884–1973), missionário metodista)
2. Suas dificuldades podem não resultar de seus próprios pecados e atitudes errôneas; podem ser inteiramente imerecidas. Jesus deixou claro que o sofrimento pode não ser prova de pecado. Ele disse que as pessoas sobre as quais a torre de Siloé caiu - acidente da natureza - e as pessoas cujo sangue Pilatos misturou com os seus sacrifícios - ação errada dos homens - não eram mais pecadoras do que todas as outras (Lucas 13.1-5). Jesus deixou lugar para o sofrimento imerecido. Mas parou aí? Absolutamente não. Disse que o sofrimento injustificado não deve ser meramente suportado, mas poderá ser aproveitado.

Decida fazer com que a sua tristeza o ajude - e também aos outros. Aqui está um modo positivo e atuante de se tratar com a tristeza. Assim agindo, você não foge dela, nem a “deixa como está para ver como fica” - mas a usa. O prof. William James, psicólogo americano, diz que  “essa maneira positiva e atuante de tratar com a tristeza dá nova dimensão à vida”. Quando a vida é dificultada e frustrada pelo sofrimento, há sempre uma saída, uma nova dimensão para a vida.

Qual é essa nova dimensão da vida?
Não é nada menos que o poder de aproveitar o sofrimento para alcançar a finalidade da existência, e transformá-lo em virtude e vitória. Isso não é mera filosofia de vida. É a própria essência da fé cristã - o modo autêntico de viver.

A ideia de que a fé cristã oferece uma fuga ao sofrimento é inteiramente estranha a essa fé. É verdade que o modo de vida cristão faz com que vivamos mais de acordo com a natureza da existência e, por conseguinte, nos livra da dor e da contrariedade que causamos a nós mesmos quando esfolamos a canela contra a realidade dos fatos.

Mas, enquanto nos livra dos resultados da loucura de uma vida desordenada, nos expõe a outro sofrimento de natureza diferente: a sociedade exige conformação. Se estivermos abaixo de seus padrões, ela nos pune. Se nos erguermos acima de seus padrões, ela nos persegue. A sociedade exige a conformidade média. Mas o cristão tem seu padrão mais elevado - ele é diferente. Por ser diferente é visado - é mal visto. Muitas vezes, perseguido. Isso causa sofrimento.

Há outra causa de sofrimento para o cristão. O contato com Cristo o torna sensível aos sofrimentos dos outros, e começa a perceber e a se preocupar em uma escala cada vez mais ampla. Participa dos sofrimentos dos outros, e realmente faz deles os seus próprios.
Além dessas duas circunstâncias do sofrimento, o cristão participa com o restante da humanidade dos males habituais da vida em um mundo como o que vivemos: morte de entes queridos, perda de saúde, perda de amizades, desapontamentos no amor, malogro de seus planos, frustrações que se originam do viver em um mundo incompleto.

Em um mundo incompleto ocorrem coisas que nos desiludem e, se deixarmos, nos destruirão. Esse é o ponto: - se deixarmos. Nossas reações a essas coisas determinam, em grande parte, o resultado. Não é o que nos acontece, mas como procedemos com o acontecido é que determina o resultado. Uma mesma coisa acontece a duas pessoas: uma fica de mau humor e a outra permanece serena. A atitude interior determina o resultado.

Estive em uma cidade onde a lembrança de um homem se espalha como uma suave fragrância, alcançando todas as coisas. Esse homem foi o Dr. James “Adorável” MacGiffert, um matemático cego. Por muitos anos lecionou em uma escola técnica, mas em seu magistério realmente ensinou a ciência do viver. Sempre que os bacharéis daquela escola perguntavam por sua “Alma Mater”, faculdade onde se formaram, a primeira pessoa por quem indagavam era do amigo cego e professor. Ele ensinara matemática, mas, antes de tudo, os ensinara a serem homens. Um de seus alunos havia perdido completamente a vontade de estudar e, já homem feito, era quase analfabeto. Esse mestre, cego, de tal forma o inspirou e o estimulou que agora também é professor.

A palavra “Adorável” foi afetuosamente acrescentada ao seu nome pelos amigos, pois todas as coisas para esse cego eram “adoráveis”. Ele sempre usava essa palavra e, por essa razão, a acrescentaram ao seu nome. A cegueira o atingiu, mas o encanto de sua personalidade o tornou, a ele e aos que estavam ao seu redor - “adoráveis”. Isso é ser vitorioso.

Um médico aplicou uma injeção contra tétano em seu filho, que havia caído sobre arame farpado. Posteriormente a criança veio a falecer em seus braços. Esse acontecimento poderia ter enchido de amargura o casal, mas, ao invés disso, levou-os à decisão de dedicarem suas vidas às crianças desamparadas. Essa escolha foi o ramo de árvore que, lançado às águas amargas de Mara, as tornou doces (Êxodo 15:25). Enfrentaram a calamidade com tal disposição de espírito que a transformou em devoção.

Um famoso cirurgião e seu filho estavam operando um paciente, quando o pai desfaleceu junto à mesa de operação, vitimado por um ataque cardíaco. O filho viu de relance que nada poderia fazer por seu pai; assim, sem um minuto de hesitação terminou com êxito a cirurgia que o pai começara, e depois fez o que era possível para o morto. Esse filho nunca demonstrou tanta grandeza como, quando na interrupção pela morte prosseguiu, dando atendimento seguro ao vivo. Não teve tempo para tristeza inútil e infrutífera. A melhor assistência que poderia prestar ao pai, vitimado pelo enfarte, era prosseguir de onde havia interrompido.

Um médico estava atendendo o nascimento de uma criança, quando lhe comunicaram que sua esposa estava à morte, devendo ir imediatamente, se desejasse encontrá-la com vida. Não podendo abandonar a situação encontrada, prosseguiu até que a criança foi trazida com segurança para o mundo. Depois retornou à sua casa para encontrar sua esposa morta. Estou certo que a esposa teria concordado que fizesse o que fez, e teria ficado extremamente orgulhosa com seu procedimento.

Em ambos os casos, o dedicar-se a algo além de si mesmos os fez vencer a agonia da perda e alcançar um proveito muito mais amplo.

David Livingstone, missionário escocês, sepultou a esposa na África e encontrou, ao servir os desvalidos daquela terra sofredora, um conforto para seu coração ferido. Isso é ser vencedor.
Há um ditado que diz: “Quando o destino nos joga um punhal, há duas maneiras de segurá-lo: pela lâmina ou pelo cabo”. O destino nos lança, inevitavelmente, um punhal - ninguém escapa. Se o segurarmos pela lâmina, nos feriremos, mas se o segurarmos pelo cabo, poderemos usá-lo como instrumento de defesa. Tudo depende de nossa mente. A reação determina o resultado.

Quando a vida colocou uma cruz diante de Jesus, Ele tomou o que de pior lhe podia acontecer e a transformou no que de melhor poderia ocorrer ao mundo. A cruz era pecado - exclusivamente pecado. Ele, porém, a transformou em instrumento de redenção do pecado. Era ódio, e Ele a transformou em revelação do amor. Representava a privação da vida, a palavra mais tétrica e cruel que podia ser proferida. Jesus a transformou na palavra mais nobre para a redenção proclamada por Deus.

Ele não apenas suportou a cruz - Ele a utilizou! Uma religião com uma cruz em seu centro não oferece mero consolo, nem simplesmente estanca lágrimas. Oferece poder moral e espiritual, que transforma tristeza em cântico, e o Calvário em manhã de Páscoa.

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