Sacrifício pra quê?

Ora, onde houve plena remissão dos pecados não há por que oferecer sacrifício por eles. Hb 10.18
Cura do endemoninhado, iluminura medieval
A maioria das religiões fala em amor, em bondade e em serviço ao próximo. Grande parte delas tem reuniões de culto em que é celebrada a comunhão entre os seus membros. Uma boa parcela das religiões existentes exige que seus membros passem por uma doutrinação para conhecer o básico da fé que estão abraçando. Algumas outras tem também um ritual de iniciação para que a opção do indivíduo por esta crença seja pública e notória. Existem até aquelas em que um Deus benevolente e justo envia seu único Filho para morrer, e assim salvar a humanidade. O Cristianismo não detém a exclusividade, o pioneirismo e nem o ineditismo quando se trata de qualquer desses assuntos. O único elemento que próprio do Cristianismo é justamente aquele que o distingue das demais religiões. O Cristianismo tem tudo de bom e de aceitável que a maioria das religiões tendem a oferecer, mas nunca por mérito, jamais por herança, que torna impossível a busca e que não depende de qualquer coisa ou atitude que se possa oferecer em troca, daí o seu nome: graça.

A graça parte de um princípio bem simples: Deus fez absolutamente tudo para que você não precisasse fazer absolutamente nada. Foi esta a conclusão que se chegou no filme dinamarquês de 1987 A Festa de Babette: A graça custa tudo para quem oferece, para não custar nada para quem a recebe. Temos que admitir que um fato desse tipo num mundo egoísta e egocêntrico como o nosso, causaria no mínimo desconfiança. Quando se fala a pessoas estranhas à fé sobre o modo de como age a graça, o que se pode esperar é uma boa dose de ceticismo, e que elas penses se tratar de um ritual de bruxaria que, como a casa de chocolate de João e Maria, serve apenas como engodo. Bem disse o rev. Rubem Alves comentando sobre este mesmo filme: No que eles estavam certos. Que era feitiçaria, era mesmo. Só que não do tipo que eles imaginavam. Achavam que Babette iria por suas almas a perder. Não iriam para o céu. Está tudo no filme A Festa de Babette. Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos numa grande roda e cantam como crianças... Perceberam, de repente, que o céu não se encontra depois que se morre. Ele acontece em raros momentos de magia e encantamento, quando a máscara-armadura que cobre o nosso rosto cai e nos tornamos crianças de novo.

O rev. Paull Tillich falando sobre a graça disse: Você é aceito, aceito por aquilo que é maior do que você, cujo nome você não sabe. Não pergunte o seu nome agora; talvez você descubra mais tarde. Nem tente fazer coisa alguma agora; talvez mais tarde você faça muito. Não procure nada; não faça nada; não planeje nada. Simplesmente aceite o fato de que você é aceito! Se isso acontecer conosco, experimentamos a graça. 

Aceitar gratuitamente como uma criança que aceita tudo o que lhe é oferecido. Permitir-se ser aceito por essa graça que não avisa quando vai chegar, que não estabelece locais próprios ou que exige cerimônias específicas. O autor da Carta aos Hebreus no versículo citado acima diz em rápidas palavras tudo o que o longa metragem de cento e dois minutos tenta transmitir: Ora, onde houve plena remissão dos pecados não há por que oferecer sacrifício por eles. Ainda ontem fui surpreendido pelo meu neto de dois anos que no Skype disse para a avó: Não tem como você vir até aqui. A graça é exatamente como ele diz: Não tem como se fazer nada para alcançá-la.

Simplesmente aceite o amor gratuito de Deus. E em vez de desconfiar da graça, a qual muitos em todos os tempos se renderam, desconfie das exigências de sacrifícios, conduta moral, obrigatoriedade de dízimos e trízimos, do poder de óleos e de unções ungidas. Para que você tenha um parâmetro de comparação inequívoco, somente o apóstolo João usa o termo unção no Segundo Testamento, e apenas em três ocasiões. Quanto à palavra graça, ela pode ser lida na Bíblia mais de trezentas vezes, e é usada por todos os autores bíblicos que levaram Deus a sério.

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