A sabedoria justifica

Pois veio João Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos. Lucas 7.33ss
O paralítico, James Tissot em 1896
Para compreendermos com este contexto funcionava, temos antes que deixar de lado o nosso conceito sobre sabedoria e entendermos que a sabedoria para os antigos possuía características contraditórias. Ela era um acúmulo de conhecimentos e experiências, e ao mesmo tempo um dom que Deus distribuía segundo a sua liberalidade. Um binômio em que nenhum dos elementos não funcionava isoladamente. Uma vez cientes desta paridade de importância, nós vamos perceber que não foram poucas as vezes que a palavra sabedoria foi usada na Bíblia para indicar a ação direta do Espírito de Deus na vida dos seus profetas, ou pelo menos o resultado prático dessa ação na vida dos que foram comissionados por Deus, mesmo quando a ordem contrariava a mais íntima e pessoal vontade deles.

São justamente estes dois aspectos da sabedoria que Jesus evoca neste diálogo com as pessoas que condenavam tanto a repressão comedida de João Batista quanto a liberalidade generosa de Jesus. Pessoas que se apressavam em julgar os outros com uma análise capenga, se valendo unicamente das experiências negativas que viveram, do conhecimento que acumularam em situações adversas, e da negação radical de qualquer influência de uma consciência mais elevada que as delas próprias. Eu sei bem o que é isso. Conheço bem este o tipo de julgamento, normalmente me flagro lançando mão dele para julgar os outros, e às vezes até a mim mesmo.

Embora essa não fosse essa a única vez em que Jesus se encontrasse diante de um júri popular, é curioso notar que Jesus não pede clemência, não apela para o lado bom das suas consciências, não pede que eles façam vista grossa ou mesmo que relevem este ou aquele fato. Jesus também exibe a sua condição messiânica para se colocar acima do bem e do mal, e não permitir que simples mortais façam sobre ele qualquer julgamento. Paulo, mais tarde, vai bendizer as divergentes opiniões que o povo tinha sobre seu mestre: Fp 1.18 - Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei. Este texto pode parecer negar, mas Jesus dava muita atenção ao que as pessoas pensavam a seu respeito. Certa vez ele realizou uma pesquisa entre os seus discípulos para saber qual era a opinião deles e das outras pessoas sobre si: O que dizem os homens ser o Filho do Homem?

Jesus pede apenas que o julgamento seja feito com sabedoria. Uma sabedoria que não julga inexoravelmente nem absolve ingenuamente, mas a que justifica conscientemente. Aqui encontramos a base para a compreensão das suas palavras: Não julgueis para que não sejais julgados. Pois com a medida que julgardes os outros, julgarão também a vós. Jesus exalta a sabedoria, mas não a que não inocenta ou tampouco a que condena, mas a que justifica. João Batista tinha razões para agir com austeridade, o seu ministério foi consumado no deserto, onde qualquer deslize ou desatenção podia representar a morte. O ministério de Jesus foi destinado a toda a terra, onde usos, costumes e moralidade são muito mais diversificados e muito rapidamente modificados.

Jesus apela para uma sabedoria que consegue encontrar nos porões da alma uma razão para tornar justo até mesmo aquele que não tem justificativa alguma. Foi com essa sabedoria que julgou a adúltera flagrada em seu pecado, que justificou a prostituta que lavou e beijou os seus pés, que prometeu o paraíso ao ladrão que jazia ao seu lado na cruz. Foi com essa sabedoria que ele julgou perdoados todos os nossos pecados. Não encontrando uma razão mais evidente ou convincente, intercedeu por nós junto ao seu Pai: Perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem

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