Riquezas iníquas

E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. Se, pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira riqueza? Leia Lucas 16.1-13
O homem rico, Rembrandt em 1627
Ainda na linha dos textos de interpretação obscura da Bíblia, temos esta parábola que Jesus conta, que, segundo o evangelho de Lucas, vem imediatamente após as três parábolas da misericórdia: A da ovelha e dracma perdidas e a do filho pródigo. Pela própria linha de raciocínio que orienta esta parábola, podemos perceber de antemão que não é uma parábola, cuja totalidade dos tópicos, está endereçada a todos e sim dirigida a um grupo bastante específico. Sem a menor pretensão de decifrar todos os seus enigmas, gostaria de transmitir alguns itens do contexto, bem como fazer uns poucos comentários que me ajudaram bastante na compreensão, ainda que superficial, deste instigante texto bíblico.

O primeiro dado que nos deixa perplexo, é a quantidade astronômica de trigo e de azeite citadas na parábola. Esta não era uma dívida de gente comum, um prestação atrasado ou um cartão de crédito não pago. Aqui estão em questão cerca de três mil litros de azeite e mais de trinta toneladas de trigo. Era uma dívida considerável, confiada apenas a um número restrito de pessoas, o que dá um sentido diferente à parábola. Jesus está falando para o grupo de saduceus e de doutores da lei que estavam ali presentes.

Outro dado que diferencia a parábola dos nossos conceitos cotidianos é a maneira como o administrador foi demitido. Quem vive em países onde a corrupção campeia livremente, é logo tentado a pensar que o administrador estava roubando o seu patrão. O que não é o que diz a parábola. Pelo fato de ter sido dado um tempo para que ele prestasse contas, nota-se que o caso era de má gestão, e não de roubo. Se fosse autuado roubando seria demitido sumariamente e entregue às autoridades.

Que fique claro também, que o patrão não elogia o administrador por sua honestidade, e sim por sua esperteza em lidar com a situação. Ele também não se sentiu lesado, pois a sua parte que deveria ser cobrada como dívida era efetivamente o que havia sido acordado pelo administrador com os devedores. Todo o excedente estava sendo cobrado como ágio na transação. Um ágio que enriqueceria qualquer um naquelas circunstâncias. O administrador infiel não estava garantindo um quartinho nos fundos da casa de quem quer que fosse, e sim uma bela aposentadoria, que o sustentaria até o fim dos seus dias.

O que Jesus condenou nesta parábola foi a iniquidade da riqueza. Marx dizia que não uma riqueza sequer que não esconda um crime. E o pensamento de Jesus segue também nessa linha. Para ele a riqueza se apresenta como uma coisa ruim em três níveis possíveis. Ela é obtida por meios ilícitos, é gasta de forma inconsequente ou se constitui num mal para quem a possui.
Quando juntarmos todos esses elementos, teremos uma visão da parábola menos ortodoxa e, possivelmente, mais contextual. Uma parábola que, no seu sentido restrito, não trata de assuntos corriqueiros, mas que, no sentido mais amplo, é uma lição de vida imperdível.

Nesta parábola, Jesus exclui a ingenuidade dos assuntos financeiros, e nos alerta para que tenhamos todo cuidado do mundo quando tratarmos de negócio com estes mega empresários e suas mega finanças. Nos alerta também para os ágios absurdos que nos são cobrados nessas transações. Mas exige também a nossa lisura em todos os tipos de negociação, quer sejam pequenas ou grandes. Por fim ele nos deixa uma recomendação que é uma verdadeira cláusula pétrea: Se, pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira riqueza?  Se não vos tornastes fiéis na aplicação do alheio, quem vos dará o que é vosso?


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