Valemos o que foi pago? II

O chamado de São Pedro,  Domenico Ghirlandaio em 1482
Como primeiro argumento eu gostaria de citar a letra do hino que é cantado na ordenação de pastores das igrejas tradicionais, ele é o 482 do Hinário Evangélico.
Nem sempre será pra o lugar que eu quiser
que o Mestre me vai enviar.

É tão grande a seara, já pronta a colher,
na qual eu irei trabalhar.
E se, por caminhos que nunca segui,
a Tua chamada eu ouvir,
feliz certo irei, dirigido por Ti,
a Tua vontade cumprir.


Eu quero fazer o que queres, Senhor.
Por Ti sustentado serei.
E quero dizer o que queres, Senhor,
e assim meu dever cumprirei.

Esse é um compromisso muito sério, mas como alguém vocacionado ao ministério pastoral pode assumi-lo na íntegra se tem que prestar contas antes a uma administração que leva em conta os critérios de popularidade, satisfação pessoal e arrecadação financeira? Talvez os grandes baluartes da denominação, depois de um trabalho exaustivamente aprovado, consigam esta proeza, mas um recém chegado ao ministério, jamais conseguiria.

O segundo argumento é que não existe pastor certo para igreja certa. Essa pretensão de se ter um pastor que agrade a todos o tempo todo é caminho mais curto para colocarmos no púlpito um falso profeta. Pode parecer estranho, mas quem afirmou isso foi simplesmente o maior teólogo do século XX, e que era pastor em uma igreja que admitia pastores por contrato de trabalho, Carl Barth: O falso profeta é o pastor que agrada todo mundo. O máximo que podemos esperar é que Deus envie um pastor que preencha a necessidade da igreja naquele momento específico. Neste aspecto eu admiro as igrejas de governo episcopal, principalmente o seu aspecto da itinerância pastoral. Elogio, mas fazendo a seguinte ressalva: mudar constantemente de igreja nem sempre é itinerância. Normalmente é falta de capacidade mesmo. E ficar durante muito tempo numa igreja, nem sempre é negação da itinerância. Às vezes o trabalho exige.

Em terceiro lugar, o pastor é vocacionado por para fazer a obra de Deus, e não é um político que tem que estar sempre defendendo as causas da igreja local contra todas as ofensivas indesejáveis. A igreja tem que ter consciência de que o pastor foi enviado para, em primeiro lugar, confrontar a própria igreja no que ela está fazendo de errado e que contraria a vontade de Deus. A igreja não é um fim em si mesma e nada nas Escrituras garante que ela será eterna. Ela recebeu o poder de prevalecer contra as portas do Inferno, mas se ela se calar, Deus pode muito bem fazer com que as pedras façam a obre que a ela foi destinada.

Quando um pastor quer beneficiar a igreja em detrimento da comunidade ou mesmo da sociedade, fazendo alianças espúrias para livrá-la do pagamento de impostos que são essenciais para o bem comum, ele automaticamente é desligado do santo ministério pastoral, para assim poder ingressar na bancada evangélica, inimiga número um do Reino de Deus.

Por último, nem um pastor ou pastora pode ingressar no ministério com a expectativa de enriquecer financeiramente. As igrejas protestantes não exigem dos seus ministros um voto de pobreza, porém, estejam certos de que toda igreja que gasta mais de trinta por cento da sua arrecadação com as suas despesas administrativas, e aí se inclui o provento pastoral, está fadada a sucumbir como uma falida promessa de agente de Deus no mundo. Creio que existam pastores que enriqueceram honesta e justamente por suas capacidades próprias, como escritores, conferencistas ou como profissionais liberais. Nada errado com isso. Mas transformar a oferta da viúva pobre em fonte de enriquecimento pessoal é um dos maiores escândalos que se pode fazer contra a boa fé dos pequeninos de Jesus. Estes podem estar certos de que já providenciou pedras em quantidade suficiente para os seus belos e engravatados pescoços.

Apesar de tudo o que foi dito, o preço pago por nós foi muito maior do que o amor que temos pela nossa denominação, pelo nosso ministério ou por nossa vontade de servir a igreja. O preço pago pela nossa liberdade de falarmos o que Deus nos manda falar é muito maior do que as pequenas diferenças doutrinárias que defendemos, às vezes, com a própria vida. O preço pago por nós na cruz co Calvário deveria ser suficiente para nos aquietarmos na convicção definitiva de que Deus é por nós. Sabemos muito bem que não valemos o que foi pago, mas a pergunta é a seguinte: existe alguma razão para imaginarmos que podemos ocupar o centro de nossas vidas e das nossas decisões sem que isso afete profundamente o nosso relacionamento de fé pessoal com Deus?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...