Dez a pedir, um a louvar II

Dez leprosos, autor desconhecido
A ingratidão vem da insensibilidade. Temos que cultivar uma sensibilidade mais objetiva, mas dentro dos propósitos do evangelho. Como nos é tão fácil deixarmos de apreciar as verdadeiras bênçãos de Deus! Como nos é tão fácil não vermos os sinais do novo! Alguém já disse: o homem íntegro é aquele que nunca coloca seus direitos acima dos sentimentos dos outros, e nem coloca os seus sentimentos acima dos direitos dos outros.

Aquele que não é sensível a nada nunca será capaz de notar os favores que recebe. Não é capaz de sentir a dor e o despontamento que causa aos outros a sua falta de apreciação. Por outro lado, a pessoa sensível, nota com gratidão a boa vontade que existe por trás do mais corriqueiro contato com os outros. A pessoa sensível nota a bondade despercebida que se levanta todos os dias, mesmo num mundo competitivo e perdido como o nosso. A pessoa não sensível é cega às cortesias insignificantes, é cega às considerações generosas, por que também não seria cega às bênçãos do céu?

Somos ingratos porque nos falta humildade. A humildade não uma palavra comum à nossa geração. Pelo contrário. A pessoa humilde simplesmente não tem vez na nossa sociedade. Nós ficamos tão cheios da nossa importância que recebemos tudo que as pessoas fazem por nós como se fosse nosso direito, como se fosse nossa prerrogativa. A mentalidade de hoje é fazer o que for preciso para garantir os direitos. Assim, pensamos apenas naquilo que deveríamos receber. Criamos para isso um complexo de credor. Todo mundo nos deve. Olhamos os outros, inclusive os governantes, como se eles não tivessem mais ninguém com quem se preocupar. Não é de estranhar que a gratidão também não seja popular hoje em dia.

Os hebreus antigos perceberam muito bem a tendência que o ser humano tem para ser ingrato. Em Deuteronômio 8 achamos o seguinte conselho: Guarda-te para não suceder que depois de teres comido e estiveres farto, depois de haveres edificados boas casas e morado nelas, veres aumentar a tua prata e o teu ouro, e ser abundante tudo quanto tens, se eleve o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus.

Dez para pedir, um para louvar. Certamente o descuido, a falta de imaginação, a insensibilidade e a falta de humildade estão por trás de toda a ingratidão. Volta e meia sou acordado no meio da noite, assaltado por uma lembrança da minha falta de gratidão e desatenção para com outras pessoas no passado. Sei bem que muitas atitudes grotescas explicam em parte essa minha ingratidão e desatenção. Mas ainda assim, não posso entender dez para pedir e apenas um para louvar. Por que foi somente aquele um que voltou? Essa é a nossa pergunta, e foi essa a pergunta de Jesus também: Por que somente este estrangeiro voltou para agradecer a Deus? Sob todos os aspectos é uma pergunta fascinante. Somos capazes de dar uma resposta definitiva para ela, ou teremos que cavar mais fundo para obtê-la?

Vamos prestar atenção nele, naquele que voltou para louvar. Quem era ele? É um samaritano. E o que é um samaritano? Ele é um que simplesmente não presta. Ele é um estrangeiro. Ele é um herege. Ele é uma criatura mestiça de várias raças. Ele vive á margem do povo de Deus. Ele é um desprezado. Ele é um pecador. Não há palavras suficientes para descrever quem era aquele homem, ao contrário dos nove, que são diferentes. Os nove pertencem ao povo de Deus. Os nove são a raça escolhida por Deus. Eles são os retos, os justos, os bons.

Esse episódio na estrada de Samaria abriu uma nova perspectiva do evangelho para mim. Eu não conseguia entender por que foi somente o samaritano desprezível que voltou? Depois de muita luta com o texto e de muita orientação de bons mestres obtive a graça de conseguir perceber duas coisas. A primeira consiste no fato de passar a entender que o resultado de uma maior aproximação de Deus não é a sensação de santidade, como eu sempre havia pensado. O resultado imediato da maior comunhão com Deus é a percepção do nosso pecado e da nossa necessidade de perdão. A segunda é forte, podem me xingar. Jesus, no seu ministério, sempre encontrou nos pecadores as virtudes que ele esperava encontrar nos justos, nos retos e nos bons. Esses mereceram dele apenas o seu escárnio. (continua)

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