Sou justo, e você tem fé?

Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra? Lucas 18.8
Parábola do juiz iníquo, John Everett Millais
Tem-se observado nas igrejas cristãs uma crescente e preocupante crise de adimplência. Quase todo mundo se acha no direito de ter as suas orações atendidas a tempo e a hora. Esse é um assunto recorrente aqui nesse blog. Por algumas vezes temos expressado a opinião de alguns teólogos sérios, e alertado sobre elas, no que diz respeito a esse falta de noção que a grande maioria dos cristãos, principalmente brasileiros, se encontra com relação ao evangelho. 


Mas neste dia em que o Calendário Litúrgico sugere que reflitamos sobre a parábola do juiz iníquo, contada por Jesus, tentaremos fazer uma abordagem um pouco diferente do que já temos feito. Passemos um tempo a meditar sobre os requisitos mínimos da oração, tenha ela o objetivo que tiver.

A parábola realmente fala que a oração deve ser insistente e sem esmorecimento. O clamor dos filhos de Deus ao Pai deveria versar sobre tantos assuntos e propósitos que realmente faltaria tempo para que a oração fosse completa na sua estrutura. Contudo, o desfecho da parábola aponta para uma direção bem diferente da proposição do tema de abertura. Jesus não quer saber se os discípulos doravante seguirão a risca a sua orientação. Também não quer determinar o tempo que se deve despender com as orações diárias. Ele quer mesmo saber se estamos preparados para receber e aceitar as respostas que serão dadas aos nossos pedidos de oração. Ele quer saber se temos fé suficiente para arcar com a responsabilidade sobre aquilo que estamos pedindo: quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?

Essa pergunta de Jesus não é um fato isolado nas Escrituras Sagradas. Os profetas de Israel foram unânimes em questionar o povo quanto ao seu relacionamento com Deus. Sem sombra de dúvida, Amós foi o mais contundente de todos, quando propôs a seguinte questão: Am 5.18ss - Ai de vós que desejais o Dia do SENHOR! Para que desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz. Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede, fosse mordido de uma cobra. Não será, pois, o Dia do SENHOR trevas e não luz? Não será completa escuridão, sem nenhuma claridade?

O patrono desse blog bate com força e sem piedade naqueles que insistentemente repetem em suas orações a parusia, o urgente retorno de Jesus. Bate também naqueles que fazem coro com o cantor Roberto Carlos na sua canção Todos estão surdos, em que ele pede:
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
Que o amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Em uma ocasião, diante de um pedido absurdo dos discípulos, Jesus falou: Mt 20.22 -Vocês não sabem o que estão pedindo. Analisando uma situação bem parecida o apóstolo Tiago disse também algo neste sentido: Tg 4.3- Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres.

Trazendo agora a questão para uma realidade mais abrangente e mais consciente, podemos verificar que esse contraste entre o Deus justo e o homem pecador pode ser vivido com toda intensidade nas páginas do livro de Jó, e aí passa a ser um problema de todos nós. Quando o escritor revela toda a tensão que existe no ponto em que a justiça humana bate de frente com a perfeição de Deus, podemos sentir todo o drama desse nosso antepassado, que, em última análise, não está distante do drama real do cristão diante das orações que dirige a Deus. Essa mistura quase sempre desproporcional de necessidade, desejo, justiça, mérito e graça presente nas nossas orações, precisam nos levar a uma postura mais séria e mais consequente.

Uma das grandes colaborações que Vinicius de Moraes nos deixou, ficou escrita na letra de um samba o qual chamou de samba da bênção. Nessas linhas, o poeta que teria completado 100 anos, se fosse vivo, fala claramente da responsabilidade do homem diante de Deus. Uma lição com um toque de humor, mas profundamente evangélica, e escrita, para o espanto de muitos, fora das páginas da Bíblia, em que ensina:

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!

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