Meu Deus que fez

Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra. Salmos 121.1s
Estátua de William Tell em Altdorf
Muito mais do que uma doutrina fundamentalista ou mesmo do que uma teoria inculta, como os adeptos do evolucionismo de Darwin costumam qualificar, a teologia bíblica da criação é um gênero literário que possui profundidade e coerência impressionantes. Ela não pretende simplesmente fazer uma exaltação tendenciosa do poder do Deus a quem adora, o que é comumente encontrado nas narrativas da criação que floresceram nas civilizações da antiguidade. Ela é antes de tudo um grito de liberdade e um suspiro de esperança diante da opressão que se mostra iminente e infinda. Ela é a resposta da fé que desafia as circunstâncias mais reais. O salmo 121 é o retrato mais fiel do que está sendo declarado agora, e uma análise rápida do texto vai confirmar este argumento.

Em primeiro lugar, este texto só faz sentido quando entendido a partir de um lamento por uma decepção de abrangência nacional e muito dolorosa. Ele deve ser entendido tendo como referência outro salmo, o 125, que diz: Os que confiam no SENHOR são como o monte Sião, que não se abala, firme para sempre. Este outro salmo resume o espírito de confiança que Israel tinha nas suas estratégicas defesas naturais, que eram os montes que circundavam Jerusalém, daí a usarem o monte de Sião como parâmetro. Mas Nabucodonosor transpôs os montes com seus elefantes, Jerusalém foi destruída e a nação arrasada e humilhada. É exatamente por isso que o salmista do salmo 121 começa o seu canto perguntando de onde viria o seu socorro, uma vez que os montes o decepcionaram grandemente.

A sua pergunta na situação em que se achava derrotado e oprimido, não tem como encontrar resposta em uma reviravolta no poder, como era comum naquele tempo e o foi em toda a história da humanidade. Os judeus nunca tiveram um passado de glória para se lembrarem com saudade. Seu apogeu, se é que assim podemos chamar, aconteceu em um breve intervalo de tempo em que o equilíbrio entre as grandes potências, do norte e do sul, era notório. Aconteceu em parcos e contestáveis oitenta anos, durante os reinados de Davi e Salomão, e ficou circunscrito à Palestina apenas. Isso não era nada diante do poder avassalador do Egito, Assíria e Babilônia que periodicamente arrasavam todo o mundo civilizado.

O salmista precisava manter viva a chama essencial de Israel como nação soberana, ainda que fosse apenas na consciência. Por isso que em primeiro lugar esse tipo de literatura é uma forma de afirmação política. Israel não era mais um país, seu povo não era livre, seu Deus não tinha mais templo e a consequência natural era a sua extinção. O salmista vem reafirmar o poder do seu Deus diante das divindades desses povos. Ele veio declarar que os deuses adorados nas figuras de animais ou através dos fenômenos naturais não passavam de criaturas do seu Deus. Que esse Deus estava consciente e insatisfeito com a situação e que em breve viria em socorro do povo. Seria preciso, no entanto, que esse se mantivesse fiel.

Em segundo lugar ele precisava manter viva a esperança do seu povo. Israel era herdeiro da promessa de ser reconhecida e reverenciada por todas as nações, e não seria mais uma das situações adversas que iria extinguir a chama dessa esperança. Israel tinha um propósito como povo de Deus que sobrepujava os fatores que constituíam a grandeza de uma nação. Era justamente nos tempos de opressão que a consciência da dependência de Deus emergia do caos. Não temos exército, não temos terras, não temos escravos, mas temos uma promessa de quem nunca falhou e nunca irá falhar, ainda que tardiamente se manifeste.

O que nos entristece hoje é ver o esforço do salmista se tronar vão, quando se vê o povo que se diz ser de Deus procurando lugares para tê-los como referência da sua fé. O poeta de Deus, como o chama o rev. Jonas, desde um passado longínquo está tentando nos dizer que o nosso socorro não está nos lugares que frequentamos, nas atitudes que tomamos, nos feitos que realizamos, mas exclusivamente em Deus. Não no Deus que se anuncia pelos falsos poderes das aparências, mas no Deus que estava no princípio assim como também estará no fim do céu e da terra. Contudo, tem algo também que nos surpreende alegremente. É ver que doutrinas e teorias vêm e vão, que os lugares santos aparecem e desaparecem, mas a confiança nas mais simples promessas de Deus permanece inabalável no coração do que crê.

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