E a mula falou

Reinos da terra, cantai a Deus, salmodiai ao Senhor, àquele que encima os céus, os céus da antiguidade; eis que ele faz ouvir a sua voz, voz poderosa. Leia Salmos 68
Texto do rev. Jonas Rezende

A mula e o anjo, Gustav Jäger (1832-1917)
A irreverência de Stanislaw Ponte Preta fez com que ele alterasse um ditado popular, para dizer: de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.

Os que conhecem a Bíblia sabem que a voz de Deus fala ao homem de diversas maneiras. O escritor da carta aos hebreus nos informa que, havendo Deus falado aos pais, utilizando seus profetas, a nós nos fala, particularmente, pelo filho. E Jesus é apresentado no Evan­gelho como a palavra que se fez carne para viver entre nós. Já no salmo 19, Davi afirma que os céus falam do poder de Deus. Mas é verdade que a voz divina pode nos falar também através das tem­pestades, de um terremoto, do vulcão, dos profetas malditos, dos hereges, do povo, de um acidente, de um câncer, da própria morte. No Livro dos Números, Deus profetiza através de uma mula, a ju­menta de Balaão!

Não me pergunte como e por quê. Há quem diga que a cena foi uma alucinação de Balaão, o profeta. Que seja. Então Deus nos fala tam­bém através da loucura. E preciso, no entanto, corrigir Ponte Preta: de onde menos se espera, sempre pode vir alguma coisa boa.

O salmo que ora está diante de nossos olhos foi escrito por Davi, autor de metade dos poemas que compõem o Saltério bíblico. Nes­ta página, o rei canta a vitória de Deus sobre os que são inimigos da paz, da verdade e da justiça — uma tônica que percorre praticamente todos os salmos, que podem parecer variações sobre um mesmo tema. E é mesmo preciso falar o tempo todo sobre paz, verdade e justiça. Hoje, mais do que nunca.

A sensibilidade de Davi faz com que, além do conteúdo, suas poe­sias tenham também uma forma perfeita. Veja só como ele se dirige a Deus: pai dos órfãos e juiz das viúvas é o Senhor em sua santa morada. Deus faz que o solitário more em família; tira os cativos para a prosperidade... Bendito seja o Senhor que, dia a dia, leva o nosso fardo; Deus é a nossa salvação. O nosso Deus é o Deus liber­tador; com Deus, o Senhor, escapamos da morte.

E depois de afirmar que Deus faz ouvir a sua voz no mundo, o salmista convida toda a terra: tributem glória ao Senhor; a sua ma­jestade está sobre Israel, e a sua fortaleza nos espaços siderais.

E nesse contexto libertador e poderoso que Deus nos fala de dife­rentes maneiras, até mesmo através de uma jumenta.

Estou certo de que a Bíblia não é um livro destinado apenas à nossa razão. Creio mesmo que o silêncio da razão pode ser o espaço da fé. Afinal, diante dos mistérios do Universo, a força da razão huma­na não é muito diferente do que se passa na cabeça de um muar...

As vezes somos assaltados por uma dúvida: é mesmo a voz de Deus que está falando? Diante de porta-vozes tão estranhos ou desones­tos, a dúvida é mesmo salutar. Como no bizarro episódio de Balaão, há apregoadores que são menos confiáveis que um jumento. Como saber então se estamos senào alcançados pela voz divina?

Como Deus pode nos falar, a despeito das mais estranhas e até ab­surdas circunstâncias, proponho um tipo de prova,mais elucidativa do que a chamada prova real ou a prova dos nove,para saber quan­do ele realmente nos fala. Acima de tudo, minha prova é muito simples. Nas palavras de uma bela canção católica:

Onde há o amor, Deus aí está.


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