O livro do Acopralipi II

...também esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. Apocalipse 14.10

Fogo eterno, © Thinkstoc
A literatura apocalíptica é um recurso usado unicamente em tempos de opressão extrema. Os apocalipses têm por obrigação ser uma mistura precisa e equilibrada de esperança e advertência. Uma mensagem que é velada aos olhos do opressor, mas facilmente inteligível ao leitor oprimido. Neles o autor se liberta das dimensões de espaço e de tempo para viver situações num passado distante e em locais remotos. 

Os apocalipses são fundamentamos na história viva e dela se vale para tirar os nomes, locais e situações. Situações que ainda são bem vivas na lembrança e que permanecem como um forte apelo na vida dos destinatários; locais que representam a angústia e o sofrimento; nomes cuja simples menção aterroriza a todos.

Não temos como precisar uma data precisa, mas, a grosso modo, num apocalipse o autor retroage mais ou menos duzentos anos para desse passado prognosticar os fatos que aconteceriam num futuro próximo. Futuro esse que ainda assim é passado, diante do seu presente real. Seria como se retroagíssemos aos anos de 1930, para criticar a ordem vigente e prever a Segunda Grande Guerra Mundial. Desse mesmo modo foi escrito o livro do profeta Daniel, assim como por vários outros apócrifos daquela época. Assim também foram escritos os vários apocalipses apócrifos no tempo de João.

Um outro dado importante sobre os apocalipses é que eles eram literatura comum, particularmente entre as seitas ascéticas, como a dos essênios, da qual João, o Batista, foi o seu mais proeminente representante. Por isso é que parece ser tão bizarro aos olhos do homem moderno. O objetivo era mesmo parecer loucura e desvario aos olhos do opressor. A loucura de assistir um doido lançar imprecações sobre uma Babilônia extinta e praguejar contra Nabucodonosor que já não havia morrido há séculos. Contudo, o que parecia ser desvario para os de fora, era palavra viva e lúcida no meio do Israel de Deus. Pois o que mais era presente na memória do povo do que a lembrança do exílio de Nabucodonosor, para denunciar as atrocidades dos imperadores romanos, que destruiu novamente o templo, e mais uma exilou o povo? Que cidade foi mais luxuriosa do que a Babilônia, sustentada que era pelo sacrifício de muitos, senão Roma?

O texto do Apocalipse, mais do que uma visão de uma realidade futura, era o desejo latente de vingança entre os cristãos no final do primeiro século. Um desejo em forma de invocação, para que Deus ponha um fim à opressão do povo e extermine de forma brutal os opressores romanos, a quem consideravam os únicos culpados pelo seu miserável estado. Uma segunda visão, esta mais acurada, vai mostrar que o apocalipse é o divisor de águas entre os verdadeiros cristãos e os que estão ali apenas por conveniência.  Lucas 12.6 diz que não se vendem cinco pardais por dois asses? Mas esse era o preço cobrado a todo aquele que se identificava como cristão. Tudo era mais caro para eles. Mas João determina que o preço seja pago. Esconder a identidade de cristão para se livrar das retaliações impostas era o mesmo que negar a fé. Sabemos bem que existiram extremos, mas foi através deles que o Cristianismo foi preservado de forma íntegra. João preservou a fé cristã mesmo distante da sua igreja, ainda que exilado em uma ilha presídio, ainda que parecesse um alucinado louco varrido.

Para finalizar, precisamos ver o que o antigo livro bíblico do apocalipse tem em comum com os fatos mais recentes? O perigo da apostasia na igreja é real e imediato. As ofertas para escamotear a fé somente se multiplicaram. Em muitos lugares os filhos de Deus estão sendo oprimidos por causa da religião que professam. Não falo da fé cristã somente, mas de todas as expressões que ainda sofrem discriminação. E o alerta final: a igreja de hoje não sofre perseguições, não temos mais os césares no nosso encalço. Pelo contrário, em muitos lugares as pessoas veem o mundo cristão como o opressor a ser combatido. Muitos apocalipses contra nós e a nossa conduta estão sendo escritos. De uma coisa podemos estar certos: Deus vai acatá-los como um clamor de justiça, exatamente como acatou o apocalipse de João.

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