O livro do Acopralipi I

Escreves, pois, o que viste: tantos as coisas presentes como as que deverão acontecer depois destas. Apocalipse 1.19

Os que lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, James42
Não faz muito tempo circulou no Youtube o vídeo do pastor da “briba”. Uma engraçada demonstração de como não se deve pregar o evangelho. Na sua pouca cultura bíblica, dentre outras batatadas, o pregador do vídeo se refere ao livro do Apocalipse chamando-o de acopralipi. Atualmente está circulando um outro vídeo cujo título é “Alguém quer me desafiar?” Mais um dos ilustre mestre do desconhecimento, que aparecem de tempos em tempos faturando alto com seus abalizados, porém, infundados comentários sobre a fé. Esse cidadão norteamericano fala especificamente das religiões monoteístas que fundamentam a sua mensagem no cataclismo escatológico. Em bom português, as religiões que pregam um fim dos tempos composto exclusivamente de salvação e perdição.

A princípio quero dizer que não vi muita diferença entre os dois preletores, posto que ambos tiraram as suas conclusões daquilo que apenas intuíram, sem um estudo sério e sistemático do assunto. O que antigamente se diria: ouviu o galo cantar, mas não sabe onde. Mas infelizmente nós os cristãos não podemos criticá-los veementemente por esta postura equivocada, porque ela realmente está presente no conceito que muitos de nós faz desse fantástico livro da Bíblia. Para muitos de nós o Apocalipse ainda é um almanaque completo e detalhado do fim dos tempos.

Na verdade, o que é um Apocalipse? É um estilo literário que vingou em Israel por aproximadamente quatrocentos anos: duzentos anos antes de Cristo até duzentos anos após. Traduzido simplesmente por revelação, é o herdeiro direto da profecia, e distingue-se dela em dois aspectos fundamentais: pela forma como a mensagem é recebida e como é retransmitida. Na apocalíptica a mensagem chega sob a forma de visões, cuja interpretação é encargo exclusivo do vidente, que ao retransmiti-la, o faz de modo codificado e desobrigado de qualquer coerência. Num apocalipse quase tudo é simbólico: nomes, números, situações e até personagens. Para entendê-lo é preciso, antes de tudo, entrar na mente do autor e decifrar seu código, que é particular e único. Não se vale da orientação de qualquer outro, assim como não se presta de parâmetro para outro qualquer. Por esta razão o leitor moderno deve fazer exatamente como faziam os antigos destinatários: nunca se prender às visões, que por si só são irrelevantes, e voltar sua atenção exclusivamente para a mensagem que Deus sugere através delas, evitando, com isso, incorrer no erro de adulterá-la.

Não se quer dizer com isso que a visão dada por Deus abra uma janela maior do que as utilizadas pelas religiões pagãs para descortinar o futuro.  A possibilidade de perscrutar no futuro ou "as coisas que o Pai guardou para si" é completamente nula na fé cristã. A visão abre-lhe sim o entendimento, para que perceba na leitura fria dos fatos e as consequências inevitáveis que advirão, caso a situação presente siga seu curso. Não é em vão que a literatura apocalíptica presta-se mais para exigir decisões imediatas do que para criar expectativas. Um estímulo eficaz para aqueles cuja fé escandalizada vacila entre apostatar diante das tribulações presentes ou manter a esperança nas promessas de vitoriosa salvação deixadas por Jesus, o Cristo.

João encontra inspiração nos antigos temas proféticos, quando Deus salvou o seu povo das mãos dos mais terríveis opressores, fossem eles egípcios, assírios, caldeus ou gregos. Deste passado retira a única e real previsão futurística. A única que serve tanto para os seus contemporâneos como para todas as gerações vindouras, inclusive a nossa: perseverem na fé, agarrem-se a ela, ainda que o limiar crítico da desolação há muito tenha sido ultrapassado, ainda que se mostre irreversível, Deus vai libertar seu povo, como sempre fizera. Esta é a grande mensagem que o Apocalipse de João revela. Qualquer outra diferente dela terá sido mera especulação. Bom, quem sabe se não é do livro do acopralipi que ambos estejam falando? (continua)


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