As diatribes de Jesus

Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestes talares e muito apreciam as saudações nas praças, as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar, fazem longas orações; estes sofrerão juízo muito mais severo. Leiam Lucas 20.46 a 21.4

Oferta da viúva pobre, Gustav Doré
Tentando encontrar um termo que definisse com exatidão a narrativa da viúva pobre, me deparei com a palavra diatribe, uma palavra que teve vários significados ao longo da história. Serviu inicialmente para significar o estilo dos discursos moralistas dos filósofos estoicos e cínicos da antiga Grécia. Mais tarde, passou a designar qualquer discurso agressivo ou ofensivo, para, enfim, ter o sentido de sátira que damos hoje.
Se quisesse conceituar o tipo de discurso proferido por Jesus na entrada do templo de Jerusalém sobre a oferta da viúva pobre, eu diria que este é o argumento que fecha a questão contra a atitude exibicionista e vexatória dos ricos, dos escribas e dos fariseus no momento em que faziam as suas ofertas; teríamos que dizer que este discurso foi uma diatribe em todos os seus sentidos da palavra.

Para Jesus a relação que se estabelecia ali era bastante simples: os tais homens, que se vestiam majestosamente de púrpura para receberem a admiração e as homenagens do povo, que também davam ofertas polpudas do que lhes sobrava, para Jesus eram os mesmos que devoravam as casas das viúvas. Eles eram capazes de fazer isso e muito mais, apenas com intuito vão de se justificarem diante de Deus.

Jesus está falando do orgulho que as pessoas têm pelo que imaginam estar fazendo em nome e para a glória de Deus, mas que na realidade o fazem em seu próprio nome e para a sua própria glória. Não faz muito tempo que a imprensa mundial alardeou a notícia sobre os donativos milionários que alguns ricos fizeram às vítimas do tsunami, mas não foi capaz de dizer que as quantias ofertadas não passavam de uma gota no oceano das suas riquezas. Tanto para aquela época, quanto para hoje, o que conta é o montante e não a avaliação moral da origem do dinheiro e nem da intenção velada por trás da oferta. Para muitos, os que têm valor na igreja são os que dão os maiores dízimos e mais generosas ofertas, o que historicamente não é verdade. A igreja de Jesus Cristo sempre foi sustentada pela oferta das viúvas pobres, pois são elas que insistiram em permanecer, principalmente quando os cultos estavam esvaziados, a programação era chata e a música era tocada num órgão de pedal por uma senhora que mal conseguia ligar dois acordes. São elas que fiel e rigorosamente ofertam, mesmo quando seus recursos são parcos.

Qualquer observador veria que Jesus não estava falando a verdade literal quando disse que a viúva deu a maior oferta entre todos. Mas sim de que ela deu a verdadeira oferta, pois ofertou 100% de si e 100% de tudo que possuía. Mas este observador teria que ver também que Jesus não está falando de tributação, de algo que é devido por obrigação e que deve ser cobrado dentro de uma escala progressiva de valores. Ele está falando da oferta voluntária, de um tipo de presente oferecido pela própria escolha individual, não por ordem do governo. Este sim deve contar como um presente moral e espiritualmente superior. Uma oferta maior do que todas as outras juntas.

Jesus radicaliza dizendo que a escolha de dar mais dinheiro não significa necessariamente dar um presente melhor, principalmente quando o dinheiro é proveniente de pessoas que têm menos ou das pessoas espoliadas em nome de uma estabilidade econômica. Jesus não está se referindo apenas às ofertas do templo, mas à vida em sociedade, cuja igreja deve se estabelecer como um parâmetro incontestável.

Entendo que a oferta da viúva pobre ressurge do tempo como uma diatribe que alerta a igreja e denuncia o mundo econômico dos nossos dias. O que realmente não dá para entender é como, em apenas uma diatribe, Jesus pôde dar tanto valor e tirar tanto ensinamento de duas míseras moedas.

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