Pai, mãe e irmãos

Porém ele respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe. Mateus 12.48-50

Jesus pregando, H. Mandel
Uma das declarações de Jesus menos digeríveis é esta de Mateus 12.26: Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Sabedor da dificuldade que teríamos para aceitá-la, Jesus fez questão de confirmar o seu discurso na prática, o que pode ser muito bem observado no nosso texto base acima.


Logicamente que as circunstâncias colaboraram bastante para que ele chegasse a esse desfecho. Pois justamente em um oportuno e complexo momento da sua afirmação como Messias, diante dos fariseus e escribas que o contestavam com veemência, que ele foi interpelado quase que judicialmente pela sua família biológica.

Alguém ali estava na hora errada, no momento errado, e não era Jesus. Jesus estava exatamente onde seu Pai pretendia que ele estivesse. Primeiro, anunciando que as boas notícias do Reino devem prevalecer sobre a rigidez de qualquer lei que priorize a instituição em detrimento do indivíduo. Segundo, que o Reino de Deus não se confunde em absolutamente nada com o reino das trevas, pois não se apresenta apenas como outra opção viável, mas como a negação completa e irrestrita deste em todos os aspectos. Terceiro, que o seu ministério, paixão, morte e ressurreição seriam os únicos sinais visíveis de que este Reino havia chegado. Ou seja, o que ele estava fazendo ali, e a mensagem que estava pregando, era simplesmente uma questão de estar a favor e aceitar, ou estar contra e rejeitar. Uma verdade que ele fez questão de deixar bem clara quando se expressou no versículo 30: Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.

Uma postura tão radical assim é bem passível de sofrer contestação das pessoas estranhas, ceticismo das pessoas do seu círculo de amizades e total abominação de seus familiares, principalmente enquanto aqueles ainda não haviam se conscientizado da sua messianidade.

Esse é o ponto definitivo de ruptura entre a obrigação para com os laços de família e a necessidade imperiosa da missão. Encurralado entre a escamoteada má intenção dos fariseus e o apelo sincero, porém, inconsequente da sua mãe, Jesus se vê na condição de ter que transferir a prioridade, que até então era consanguínea, para um outro tipo de família sem laços de sangue. A família que naquele preciso momento mais carecia da sua assistência era a família da fé. Não temos porque imaginar que, aquelas palavras que, com toda certeza, entristeceram profundamente o coração de Maria, sua mãe, permaneceram como marco da relação futura com ela. Com a mesma certeza, Maria, mais tarde, veio a entender o seu sentido, bem como justificar a atitude. Como prova cabal, temos a sua preocupação de deixá-la aos cuidados de João, seu discípulo.

Mas apesar de todas as explicações cabíveis, das incansáveis tentativas de juntar pontas soltas e da penosa aceitação da proposição de Jesus como oportuna e válida, ainda prevalece a principal questão do texto: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?

Curioso que mesmo Jesus se assumindo como mestre, segundo a tradição rabínica, como sacerdote na linhagem de Melquisedeque, como profeta na mais íntegra tradição, não se coloca como pai ou patriarca da fé cristã. Ele não pergunta quem são seus filhos, ou quem são aqueles que estariam sob a sua tutela, mas pergunta quem é sua mãe e quem são seus irmãos. Ele assume a mais interativa posição possível na escala hierárquica da fé. Jesus se faz um entre nós. Jesus está querendo saber quem está disposto a juntar como ele. Se numa hora é o irmão que questiona a ânsia de poder dos seus irmãos, noutra se deixa batizar por João, fazendo dele seu mentor e predecessor. Se em uma ocasião acalma o mar bravio e o vento impetuoso com uma só palavra, em outra chora copiosamente a perda de um amigo-irmão.

O evangelho não está aí para criar grandes celebridades, muito menos líderes religiosos. O evangelho nos veio trazer uma nova ordem de relacionamentos onde todos tem o que ensinar e todos necessitam aprender. Quem é minha mãe que dá sustento à minha mensagem? Quem são meus irmãos que se dispõem a vivê-la? Estas são as únicas perguntas que nos são feitas. Isso é tudo o que merece ser respondido.


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