Vinho novo III

Bodas de Caná, J.S. von Carolsfeld (1794-1872)
Outro motivo pelo qual a igreja tem a tendência de guardar o velho é que nós não temos o absoluto para capturar e guiar a nossa imaginação. Não temos o absoluto que concentre e objetive as nossas energias. O resultado disso é uma igreja que permanece século após século, geração após geração, caminhando cada vez mais longe da realidade, cada vez mais distante da sua vocação.

A nossa realidade é que hoje somos uma igreja sem propósito. Como Jesus observou em certa ocasião ao ver a multidão que o seguia pelos seus milagres, pelas suas curas e pela imensa misericórdia que demonstrava, principalmente com aqueles que se sentiam mais alijado do sistema. O seguiam cegamente sem ter sequer a convicção de quem ele realmente era: um imenso rebanho de ovelhas que não têm pastor.

Nas igrejas de governo episcopal, aquelas em que os pastores são nomeados por um bispo em um concílio segundo a necessidade da igreja e a aptidão do pastor, há pouco tempo atrás os pastores não sentiam tanto o problema de ter que agradar aqueles que contribuíam mais, porque a sua nomeação não dependia deles. Agora já não é bem assim. Outros fatores, como a conveniência dos bispos e a sua preservação no cargo tem falado mais alto do que a missão da igreja. Mas aquelas igrejas de governo congregacional, em que o pastor no fim de um período tem que negociar a sua permanência, esse problema se torna muito mais acentuado. Com que idoneidade um pastor iria proclamar a necessidade que a igreja tem de deixar de lado o vinho velho, amadurecido e elaborado, e comprovadamente mais gostoso, para ficar coma a acidez e a incerteza do vinho novo?

Por todas essas coisas nós ficamos perdidos sem termos a convicção de que o nosso trabalho está de acordo com o nosso chamado. Sem termos a certeza de que somos colaboradores efetivos do Reino de Deus. Qual é o absoluto que nós podemos afirmar, proclamar, dedicar, crer, sair da comodidade, deixar tudo e seguir? Isso deve ser a maior barreira impedindo a nossa emancipação espiritual. Na entrada de um acampamento usado para o retiro espiritual de jovens cristãos havia uma placa que dizia o seguinte: um quilômetro mais perto do céu. Certo jovem que saiu de lá e após ficar transtornado ao se deparar com a miséria e o descaso em que os pobres da vizinhança daquele acampamento viviam, voltou lá e reescreveu a placa da entrada com o seguinte texto: um quilômetro mais longe da terra.

Nenhum cristão pode dizer que foi enganado. Jesus Cristo nos preveniu bastante de como seria a vida daqueles decidissem segui-lo. Ele falou claramente que iríamos enfrentar com imensas desvantagens os atributos mais que apreciáveis do vinho velho. Ele falou abertamente que as pessoas iriam sempre optar pelas coisas antigas, pelo modos operandi da sociedade, pelo modosoperandi da igreja tal como elas sempre foram. Uma observação: se as pessoas da igreja e o mundo em geral estiverem aceitando passiva e alegremente o vinho novo que estamos servindo, com certeza não é porque somos melhores pregadores e pessoas mais consagradas do que os profetas,  apóstolos e mártires que sofreram as consequências da sua mensagem renovadora. Deve ser porque o nosso vinho já não está mais tão novo assim.

Isaac Newton nos deixou algumas leis da cinemática, a ciência que estuda o movimento. Dentre elas, essa: corpos inativos têm a tendência de permanecerem inativos. Corpos inativos eclesiásticos, como a igreja, tem essa tendência em uma escala muito maior.

Qual é o nosso assunto comum? Parece que algumas pessoas vão à igreja somente para nos encarar enquanto estamos pregando com essa pergunta estampada no rosto; não, não se fala mais desse jeito. Com esta pergunta tatuada na testa: qual é o assunto? Qual é a coisa única em que podemos afirmar: é este o assunto. Qual é o absoluto que tem que ser a nossa imagem, que tem que nos identificar independentemente da denominação, e que deve concentrar todas as nossas energias? É nada mais, nada menos do que o amor de Deus revelado na pessoa de Jesus Cristo. É este o vinho novo. Esta é nossa resposta ao evangelho e a nossa resposta às necessidades desse mundo. Ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão. Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos e ambos se conservam.

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