Votos insensatos II

Quando a viu, rasgou as suas vestes e disse: Ah! Filha minha, tu me prostras por completo; tu passaste a ser a causa da minha calamidade, porquanto fiz voto ao SENHOR e não tornarei atrás. Juízes 11.35

A filha de Jefté, Bon Boullogne em 1770
A história de Jefté é bem complicada. Filho bastardo de uma prostituta foi expulso de casa pelos filhos da esposa legítima para que não herdasse posse alguma do pai. Tendo que viver praticamente como escravo em outro país. Cresceu junto a marginais e assaltantes. Por essas coisas, seu futuro não lhe trazia grandes perspectivas de sucesso. Mas ainda assim, devido ao seu espírito de liderança nato conseguiu o respeito e a admiração de todos.


Sua saga nos mostra que ele era um homem disposto a vencer, e isso chamou para si a atenção dos líderes de Israel, e foi por eles é convocado para ser juiz em durante uma grave crise nacional: Jz 11.8 - Volte para Gileade, venha ser conosco para combater contra os filhos de Amon, seja cabeça entre nós. Seu nome, Jefté, significa Deus abre, e é justamente essa a sua característica principal: abrir caminho para o sucesso em meio às adversidades.

Para tentarmos entender as motivações que o levaram a fazer tal voto precisaremos considerar algumas hipóteses, tais como: a insegurança após a vitória inesperada; uma gratidão incontrolável; complexo de invulnerabilidade; orgulho de ser vitorioso onde tantos fracassaram ou imaginar-se acima do bem e do mal. Existem, porém, alguns agravantes no seu ato. As leis de Israel permitiam que, sob certas circunstâncias, a pessoa abdicasse do seu voto. O sacrifício humano era proibido em Israel, qualquer outro seria aceito no lugar da moça. Como não havia conhecido homem algum, ela poderia servir no templo. Por que ele não lançou mão desses recursos? Por que, a despeito de toda a amargura que tinha em seu coração insistia em continuar afirmando: Jz 12.34 - Abri minha boca ao Senhor e não voltarei atrás, filha minha, o que votei, pagarei?

Seria uma insensatez declarar Jefté um fanático religioso. Nada no texto nos diz que ele um fiel seguidor da religião, um homem obstinado em cumprir a lei, muito menos que era um patriota zeloso. Em sua negociação com os anciãos de Israel estabeleceu condições que lhe eram extremamente favoráveis. Por outro lado tentou de todas as formas negociar um acordo com o rei inimigo, para que conquistasse o poder sem o ônus da guerra. O que muda a cabeça de uma pessoa comum que a transforma de uma hora para outra em um extremista radical?

Considerando apenas o voto que Jefté fez, podemos concluir que ele não possuía uma formação religiosa dentro dos princípios básicos da fé de Israel. Ele fez o que fez por pura ignorância dos mandamentos de Deus. Demonstrou total desconhecimento das doutrinas mais básicas que regiam a vida daquele povo. Sua escolha foi um erro que serviu para revelar o total desespero em que se encontrava a nação. Diríamos hoje que se juntou a fome com a vontade de comer. Esse é o grande problema das decisões tomadas nessas condições. Apelamos para tudo que nos acena com um fio de esperança.

Jefté prometeu o que não era dele. Prometeu o que não teria direito de prometer. Prometeu o que Deus jamais aceitaria como penhor. Prometeu para outro cumprir. Quando eu vejo os pastores televisivos convocarem suas igrejas a assumirem as dívidas que eles têm para com as emissoras, como se eles fossem seus fiadores cossignatários, lembro-me bem da passagem de Jefté. Daqueles que buscam a glória e o poder à custa do sacrifício de outros. Incomensuravelmente mais grave do que aqueles que na vida secular fazem o mesmo. Esses gigolôs da fé o fazem em nome de Deus. Caso algum deles tome Jefté como modelo de contribuinte fujam apressadamente, pois Jefté é o melhor exemplo de como não devemos nos relacionar com Deus.

Mas volto, como prometido, a falar de nós mesmos, da nossa ansiosa solicitude pela vida, como chamou um comentarista do evangelho. Volto a falar do Jefté que existe em nós, que não sabe se aquietar diante da soberania de Deus e esperar na sua misericórdia. Falo das vezes que tentamos subornar o Altíssimo com promessas inexequíveis e a mais descarada falácia. Falo das vezes que consideramos Deus um ídolo surdo e mudo, que não conhece a intenção dos nossos corações e não enxerga a medida das nossas limitações. Quando perceberemos que Deus não quer nada do que é nosso, mas que ele nos quer por inteiro? Como diz o salmo 100: Foi ele quem nos fez e dele somos. Somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio. Diante dessa incontestável realidade, o salmista recomenda que façamos um único “sacrifício”: Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor; rendei-lhe graças e bendizei-lhe o nome. Porque o SENHOR é bom, a sua misericórdia dura para sempre, e, de geração em geração, a sua fidelidade.


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