Votos insensatos I

Fez Jefté um voto ao SENHOR e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto. Juízes 11.30s

O retorno de Jefté, Bon Boullogne (1699-1779)
Por que algumas pessoas fazem promessas inexequíveis e juram sobre perdas irreparáveis? Sinto-me à vontade para falar desse assunto, porque, em outras ocasiões, mesmo sendo protestante nato e hereditário, me manifestei contrário ao abandono total da prática da penitência em nossa tradição. Tenho para mim que fizemos o que antigamente se condenava metaforicamente dizendo: jogamos fora a água suja da banheira com a criança dentro.


Mesmo porque, a penitência é algo que subliminarmente praticamos, se não através de obras, através de palavras: Sl 51.4 - Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar. Ou alguém tem dúvida que essa oração tão lida e tão repetida por todos nós seja um salmo penitencial? John Wesley disse certa vez: A excelência da sociedade para a reforma dos costumes é... primeiro, mover campanha aberta contra toda a impiedade e injustiça que cobrem a terra como num dilúvio, e isto é um dos meios mais nobres de confessar a Cristo. Será que alguém consegue fazer isso sem renúncias e penitências?

Sei muito bem que os dignos frutos da penitência, na realidade, não são as obras, estas são consequências de uma conversão interna. Que sinais externos de tristeza e que a confissão de pecados não diminuem o valor nem a intensidade da obra redentora de Deus em seu Filho pregado na cruz do Calvário. Então, por que, volto a perguntar: algumas pessoas fazem promessas inexequíveis e juram sobre perdas irreparáveis? O voto de Jefté é um bom exemplo do que não se deve fazer, visto que, quem primeiro veio ao seu encontro foi sua filha, sua única filha, e que por este gesto inocente e afetuoso foi inexplicavelmente sacrificada e queimada no fogo.

Não faço a menor ideia do que, na empreitada vitoriosa de Jefté, poderia ter acontecido que minimamente compensasse essa hedionda atitude tomada de forma unilateral e levada a cabo sem hesitação. Falo isso porque, segundo a narrativa, a vitória de Israel sobre os amorreus naquela altura da batalha era um fato consumado: Jz 11.21ss - O SENHOR, Deus de Israel, entregou Seom e todo o seu povo nas mãos de Israel, que os feriu; e Israel desapossou os amorreus das terras que habitavam. Tomou posse de todo o território dos amorreus, desde o Arnom até ao Jaboque e desde o deserto até ao Jordão. Sem esse dado estarrecedor eu não me atreveria a entender uma mente assim tão inconsequente, mas por conta dele vou me permitir arriscar alguns palpites.

A primeira pergunta que é feita é essa: por que Deus permite que coisas horrendas sejam praticadas em seu nome? Muitos leem a Bíblia como se ela fosse a história de Deus, das suas façanhas, entraves e relacionamentos. Mas o que a Bíblia conta é a nossa própria história. De como erramos no passado e de quem herdamos essa herança maldita de atrocidades. Por outro lado, a Bíblia também não esconde, como faz a maioria dos textos épicos, as mazelas dos seus heróis e nem os momentos de fraqueza dos seus santos. Daí nós conhecermos com detalhes precisos todas essas chagas abertas e feridas incuradas da história da nossa fé.

Mais para frente pretendo detalhar este pensamento, mas esse Jefté que a Bíblia descreve somos nós, quando apostamos na loteria da vida, sem que haja qualquer avaliação prévia das consequências das nossas palavras e atitudes. Nós, os cristãos, simplesmente jogamos os dados, pedimos o absurdo e prometemos o inconsequente, confiados que a sorte nos vai ser favorável, porque presumimos que estamos sendo guiados por uma mão que nos guarda e nos livra em toda e qualquer circunstância. Recriamos o caos primitivo nas nossas ações na expectativa de que Deus vai lançar sobre nós uma nova luz que venha a restabelecer a ordem natural incondicionalmente.

Parecia um ser distante, mas esse tal de Jefté está mais perto de nós do que pensávamos ou gostaríamos. (continua)

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