Implicações do sofrimento II

Tapeçaria com a Paixão de Cristo, entre 1470 e 1490
O escritor de Hebreus em 2.28, 9.26 e 13.12, como também em l Pedro 2.21 e 4.1 se servem do verbo náoxsiv quando fazem referência ao fim da vida de Jesus, em oposição a João que usa o verbo ànoOvrioxeiv. Contudo, ambos os verbos referem-se mais à morte de Jesus do que propriamente à paixão que a precedeu, a qual, no restante da Bíblia nunca é isolada da morte do Senhor, como vemos em Mk 8.31, que diz: Então, começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse. Vemos também que os Pais Apostólicos continuaram fiéis a esse modo de falar: Crucifixus etiam pro nobis sub Pontio Pilato, passus et sepultus est (foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morto e sepultado).
O sofrimento na vida do cristão deve ser sempre olhado através desse prisma. Na perspectiva de Jesus, particularmente nas narrativas sobre a vida dos discípulos há como um caminho cheio de sofrimentos: John 15.20 - Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Jesus, porém, nunca usa o verbo náauy, como faz o Segundo Testamento em outros textos, como em Ap 2.10: Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.

Segundo Paulo, a vida do cristão é uma tensão entre dois polos: morrer e viver com Cristo. O sofrimento não é privilégio do apóstolo ou de determinados cristãos, mas pertence à própria essência da vida cristã; é uma grande graça, superior até mesmo à própria graça da fé: Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele. Por isso que Paulo, sem medo de se enganar, ousa predizer provações às suas comunidades cristãs. Para ele o sofrimento não é uma coisa que o cristão sofre passivamente, mas antes uma luta ativa, viril, pela causa de Cristo. Por isso este apóstolo não se envergonha dos seus sofrimentos e, longe de ver seu ministério desanimar, ele vê nas suas muitas privações e provações e nas perseguições contra os cristãos, um motivo de alegria, uma fonte de consolação, um autêntico sinal de salvação e um penhor no juízo de Deus: E que em nada estais intimidados pelos adversários. Pois o que é para eles prova evidente de perdição é, para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus.

Tudo o que o cristão tiver de sofrer neste mundo, não é nada em comparação com a glória vindoura, pois o próprio Cristo entrou na sua glória através de seu sofrimento. Ideias análogas são elaboradas mais profundamente na primeira carta de Pedro, cujo autor se apresenta como “testemunha da paixão de Cristo”: Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda coparticipante da glória que há de ser revelada.

A carta aos Hebreus diz textualmente que o maior auxilio para o cristão nos seus sofrimentos é o exemplo de Cristo. Jesus é nosso modelo, e é assim que os cristãos participam do sofrimento de Cristo: 3.14 - Porque nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos. Paulo relaciona a sua doutrina sobre o sofrimento do cristão, mais particularmente dos apóstolos, diretamente com a sua doutrina sobre o corpo místico. Ensina que o seu sofrimento e o dos demais apóstolos, por causa da sua união com o sofrimento de Cristo, é uma bênção para os membros do corpo místico. Em alguns textos, porém, ele exprime esse pensamento de forma vaga e sucinta demais para mostrar de modo absolutamente inequívoco todo o alcance da sua doutrina. Mas ele abre a segunda carta aos Coríntios com o firme propósito de incutir na mente daqueles que foram por ele evangelizados que o caminho estreito que Jesus anunciara, mais do que por privação de alimentos ou por regras de conduta moral passa pelo sofrimento: Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo. Mas, se somos atribulados, é para o vosso conforto e salvação; se somos confortados, é também para o vosso conforto, o qual se torna eficaz, suportando vós com paciência os mesmos sofrimentos que nós também padecemos. 

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