O que vos parece? (final)

Cristo no jardim, Paul Gouguim (1848-1903)
Por que uma pessoa que recebe um chamado, reconhece como divina a sua origem e, contrariando as expectativas, nega intempestivamente este chamado? Com ajuda do próprio texto podemos encontrar algumas pistas. Um dos fatores decisivos para que Jesus proferisse palavras tão duras contra os não obedientes aos desígnios de Deus, foi a influência que a multidão exerceu sobre muitos dos
discípulos que estavam ali presentes. Jesus havia entrado dias antes em Jerusalém e fora saudado por um número considerável de seguidores potenciais. Embora eu não consiga ser tão otimista quanto Mateus na contagem dessas pessoas, tenho que admitir que foi uma aglomeração capaz de impressionar profundamente qualquer um que se deixa levar por plebiscitos ou movimento de massa. A popularidade que Jesus recusara por diversas vezes na interior do país, voltava para ele qualitativa e quantitativamente maior, agora no centro do poder. Como a totalidade dos discípulos que o acompanhava era da periferia, não foram poucos os que se deixaram levar pela manifestação popular e que foram seduzidos pela publicidade que aquela entrada causou ao seu Mestre e a eles. Mas, para todos os efeitos, Jesus estava diante da mesma multidão que mais tarde iria vociferar exigindo a sua crucificação. Somente este fato já seria suficiente para precaver todas as gerações de cristãos quanto o perigo da popularidade.

A busca da projeção popular que tem invadido as igrejas históricas nesses últimos anos tem descaracterizado totalmente essas igrejas. O pseudo sucesso do neopentecostalismo e a sua mais rápida aceitação tem seduzido gerações de pastores e pastoras ao ministério das ações de Deus evidentes e frequentes. Uma igreja que não tem uma dúzia de milagres para contar ao término de uma semana, não encontra mais razão de ser dentre as demais. A necessidade do aumento constante do rol de membros tem desviado a igreja das suas funções mais elementares, e fazendo isso, está de todas as formas negando o seu chamado para um ministério incansável, individual e sem fim, trocando-o por atuações pontuais e imediatas. Esta é a igreja que mais prontamente responde ao desafio do evangelho, mas também a primeira a se desviar dele. Parece que estamos reeditando o chamado de Isaías, que chama para si a responsabilidade da missão: Eis-me aqui, envia-me a mim, para logo em seguida questioná-lo nos seus objetivos reais: Até quando, Senhor?

Por outro lado existem aqueles que negam textualmente a forma do seu chamado, mas que o cumprem de forma literal e inquestionável, mesmo que não tenha a consciência disso. Nunca houve um cristão como Nietzshe. Não são poucos os teólogos que afirma este “absurdo”. Talvez porque as suas críticas sobre a moral e os preceitos cristãos, em contrapartida à imagem bastante positiva que fazia de Jesus Cristo tenha abalado fortemente a igreja desde então.  Nenhum dos profetas bíblicos, quer no período da profecia escrita, quer anterior a ela, mostrou satisfação ou entusiasmo no momento do seu chamado. Pelo contrário, relutaram com todas as forças para não cumpri-lo. Segundo a filosofia da parábola, disseram que não ia, mas acabaram indo.

Para os caminhos traçados por Deus não existem paralelos. Não se trata de predestinação ou doutrina semelhante. Trata-se sim de que os planos de Deus não podem ser frustrados, por mais que a igreja tenha se empenhado em contrariá-los, esses planos continuam seguindo o seu curso.  Contava-me um amigo, que para uma cidade do interior de São Paulo, que havia sido colonizada por protestantes, enviaram um padre católico que decisivamente desconhecia fronteiras. Sua atuação como portador da boa notícia do evangelho, assim como a sua atuação concreta em favor dos necessitados, estendia-se para muito além dos membros de sua paróquia. Por diversas vezes fora flagrado atendendo carentes que frequentavam a denominação protestante que era predominante na cidade. Não demorou para que o colegiado dos notáveis desta igreja exigisse que o seu pastor enquadrasse o padre nos seus limites e aos seus fiéis. Para que o pastor estabelecesse a circunscrição das atividades do padre à sua paróquia. Proibi-lo? Disse o pastor. Eu queria ser igual a ele

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