Vai e dize-lhes

Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus. Leiam João 20,11-18
Jesus aparece a Madalena, William Etty (1787-1849)
A ressurreição de Jesus chamado Cristo assumiu uma dimensão de fé muito mais complexa do que um simples depósito de confiança total e irrestrita em Deus, porque, antes de tudo, ela se valeu exclusivamente do depoimento testemunhal de pessoas que a viram acontecer. Porém, mais do que de suas convincentes pregações, valemos-nos hoje dos resultados práticos apresentados por estas testemunhas: de como suas vidas foram transformadas pela ressurreição, e do quanto se dispuseram a arriscar as suas vidas para anunciá-la ao mundo. Este é um dado tão importante que alguns teólogos muito sérios chegam a afirmar que mais importante que a ressurreição em si é o fato de alguém ter acreditado nela.

O texto que narra o diálogo do ressuscitado com Maria Madalena pode nos dar um indício bastante forte de como é o processo e da dimensão desta mudança de vida. Jesus encontra uma mulher, e é este o termo que usa para chamar a sua atenção, completamente desalentada em meio a um grupo de desalentados. Podemos dizer que mulher, no grego guné, é o radical da palavra genérico, que expressa justamente a ideia de generalidade. Generalidade que foi muito bem traduzida por Milton Nascimento: Uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta. O estado em que a ressurreição de Jesus a encontra reflete bem o vazio que se instala nos corações quando não se tem ou não se vê qualquer perspectiva de esperança. O grupo que andou com Jesus, mesmo os que lhe foram mais íntimos, aqueles que o ouviram falar por diversas vezes desta totalmente nova possibilidade do amor de Deus, estavam, como aquela mulher, completamente arrasados.

Mas Jesus provoca um segundo momento quando a chama pelo nome Maria. Este é um nome que poderia derivar do nome egípcio Mirian, que um dos significados é obstinada. E exatamente isso que Maria Madalena é, aquela que não desistiu, aquela que não abandonou, aquela que não se resignou. Quando Jesus a chama pelo nome o seu estado emocional muda radicalmente. De completamente desesperançada para totalmente assombrada por um milagre do qual não tinha qualquer explicação, mas cuja esperança, mostrada pela sua obstinação, ocultava em algum lugar do coração. Agora não mais uma mulher como outra qualquer do planeta, agora uma pessoa a quem Deus se manifestou dentre tantas. Da desilusão ao espanto, da generalidade à escolha, da morte à vida.

Mas Jesus não para por aí. Jesus faz dela a primeira anunciadora da sua ressurreição: Vai e dize-lhes. Convém lembrar que no hebraico o termo malakhi, usado para designar mensageiro, é a mesma palavra que traduzimos hoje por anjo. É disso mesmo que Jesus a chama: meu anjo, meu mensageiro. Maria Madalena não é mais uma genérica a vagar sem esperança. Não é mais uma assombrada pela ressurreição que decretou a morte da morte. Ela é agora uma anunciadora da vida. Maria está autorizada a falar em nome do ressuscitado, está totalmente capacitada a repetir as suas palavras. Ela mais que viu ou testemunhou a ressurreição. Ela teve a sua vida transformada por aquele breve e totalmente inesperado encontro de fé.

Foi assim com Maria Madalena, com o apóstolo Paulo, com Santo Agostinho, com John Wesley e com tantos outros e outras. É por isso que a fé na ressurreição não é apenas um elemento que pode ou não nos ser dado. Ela é o fator principal da transformação de vidas, que do estado de total desalento foram transmutadas em ícones da esperança de que o mundo novo é totalmente viável. Quando eu era jovem a igreja cantava esta esperança assim:
Onde estou? eu não sei / e nem sei onde estive / e nem onde estarei / mas eu sei que Ele vive!
E como sei que vive / o meu Senhor e Rei, / sei que com Ele estive / e com Ele estarei!
Se há razão que motive / a paz, eis sua lei: / o meu Redentor vive / e eu também viverei! (Gióia Jr.)

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