A fé e a crença III

Fariseus questionam Jesus, Tissot
Então Pedro ouviu uma voz, que dizia: — Pedro, levante-se! Mate e coma! Pedro respondeu: — De jeito nenhum, Senhor! Eu nunca comi nenhuma coisa que a lei considera suja ou impura! A voz falou de novo com ele: — Não chame de impuro aquilo que Deus purificou. At 10,13-15 Leia Mc 7,1-23
Da condenação à exagerada e inútil observação de rituais de purificação, que iam muito além da higiene pessoal, Jesus passa a tocar em um ponto comum, que era conveniente tanto aos da capital como aos do interior: a obrigação que os filhos tem para com seus pais idosos e necessitados. Valendo-se de um artifício engendrado pela tradição dos anciãos; e aqui lê-se dos saduceus ou os grandes proprietários de terras da região, anularam completamente o mandamento divino que fazia valer esta obrigatoriedade. Isso se dava quando um filho, mesmo sem se desfazer do bem, consagrava-o a Deus, numa prática validada pelos sacerdotes, que segundo a sua tradição chamava-se Corbã , para deste modo ficar desobrigado de dar assistência financeira aos seus pais, fazendo uma troca que era bastante conveniente e que já se perpetuava por gerações. Numa só tacada anulavam três itens importantes do Decálogo. Primeiramente, não zelavam pela honra de seus pais conquistada através de longos anos. Depois, não amando o próximo, e um próximo bem próximo, não se sentindo na obrigação de sustentá-los financeiramente, obrigava-os a viver da humilhante caridade alheia. E isso, segundo a sabedoria dos Provérbios, era o mesmo que atrair sobre eles a maldição: A quem amaldiçoa a seu pai ou a sua mãe, apagar-se-lhe-á a lâmpada nas mais densas trevas. (Pv 20,20) E finalmente, o que era ainda mais grave, arrastavam junto o Santo Nome de Deus para essa lama de sonegação de amor e de moral, fazendo dele o depositário infiel de algo que nunca precisou, e que jamais pensou em requisitar para si. Neste caso, não eram os filhos que ajudavam os seus pais, mas era Deus quem retinha o que a eles era devido.

Essa prática aviltante encontra respaldo hoje nas generosas contribuições que membros de igrejas tradicionais fazem às milionárias campanhas de “evangelização” dos “pastores” eletrônicos, numa suposição conveniente de estar prestando um enorme serviço a Deus e ao seu Reino. Ao mesmo tempo subtraem o valor da sua obrigação para com o sustento da sua igreja de origem, ao mesmo tempo em que aplacam as suas consciências evitando ouvir os desafios que o evangelho apresenta no culto dominical. Reflete-se também na aquisição cada vez maior e mais frequente de CDs e DVDs das megaestrelas gospel ou dos idolátricos amuletos “evangélicos”, sob a hipócrita alegação de que é também um serviço a Deus, serviço esse que é devidamente descontado do dízimo. Dessa exortação ninguém escapou: nem os engravatados e nem os “pés de chinelo”, nem os moderninhos nem os caipiras, nem os cultos nem os néscios. Foi uma advertência oportuna e cirúrgica de Jesus para todas as gerações, em todos os lugares.

Mas Jesus não fica somente na exortação. O que vai se observar a seguir é uma palavra de libertação. Jesus passa a desconsiderar completamente os rituais de purificação e também a desautorizar o Templo quando afirma que nada no exterior pode contaminar o homem, e sim que o verdadeiro veneno está no seu interior. Já não se trata mais de interpretação ou de observação da lei, trata-se sim de conservar o coração puro. Já não se trata mais de separar o puro do impuro, trata-se agora de ter um coração que transforma de vez o profano em coisa santa e abençoada. O que entra não vai contaminar, mas o que sai, isto sim pode contagiar para o bem ou para o mal. Jesus diz textualmente que a partir de então todos estariam livres da rigorosa e injustificada vigilância exterior, e que deveriam exercer cada vez mais intensamente a vigilância interior, porque tudo o que entra de ruim sai, como excremento, mas o que sai de ruim contamina e faz muito mal.

O que era um simples ato de lavar as mãos antes da refeição, Jesus transformou no seu cavalo de batalha contra os maus pensamentos, a fornicação, os roubos os assassinatos, os adultérios, a malícia, a cobiça, a fraude, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e o destino. No que era uma prática sadia e corriqueira e que a religião transformou numa escravizadora crença, Jesus vai encontrar a oportunidade de nos dizer que a fé pode transformar o coração em fonte da vida e a consciência no reduto da moral que leva o seu nome.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...