Doença e cura I

Tobias devolve a visão ao seu pai, Rembrandt
Um dos milagres mais esperados do evangelho no meio do povo chamado cristão é a cura. Não poderia ser diferente, porque quando uma família passa pela terrível provação de ter um de seus entes queridos enfermo, em sofrimento ou situação de risco, o que mais ela pode desejar é que de alguma forma a sua fé em Jesus Cristo reverta radicalmente aquela situação. Não pode haver nada mais natural para um ser humano do que a inconformidade com o sofrimento, principalmente com o sofrimento de pessoas próximas.
Podemos estabelecer que a inconformidade cresce à medida que o relacionamento se estreita. Esta aversão que temos ao nos depararmos com o sofrimento alheio, juntamente com o horror que temos do nosso próprio sofrimento, são sinais claros de que não estamos no pleno gozo da vida abundante proposta por Jesus como cerne do seu ministério: Eu vim para que tenham vida... Aliado a isso, é nosso dever como cristãos compartilhar com outros cristãos os bons e os maus momentos, seguindo a risca a determinação de Paulo, o apóstolo: Alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. É nesta variação que vai do regozijo à comoção que passamos a maioria dos dias que Deus nos propicia viver sobre a terra.

Contudo, basta um olhar mais atento para descobrir que o que era apenas um desejo natural tem se tornado uma ânsia incontrolável e determinante. Tudo o que era beneplácito da graça de Deus tornou-se uma contrapartida pela nossa opção de adoração. Isso fez com que a humilde oração de súplica se transformasse no que mais parece uma audiência de cobranças. Ser curado não é mais benefício imerecido que pode acontecer ou não, é algo que deve ser esperado como líquido e certo para o mais breve possível. E o mais curioso disso tudo é que esta relação troca de louvores por bênção se intensifica através do exercício de uma prática que leva a pessoa a ter uma intimidade maior com Deus, ou seja, quanto mais a minha vida manifesta o poder de Deus através das bênçãos que eu declaro ter recebido ou ministrado, tanto mais a unção do Espírito Santo pode ser testemunhada em mim. Este grau de intimidade já atingiu o seu superlativo nas pessoas que se autointitulam “ungidonas” ou extremamente ungidas. Algo parecido com o que estou dizendo pode ser visto neste vídeo: http://www.dailymotion.com/video/xnrwwf_ungidona-boladona_fun?start=11

Apesar disso eu tenho que creditar esta anomalia não diretamente à mudança de comportamento da igreja, mas sim a interpretação distorcida daquilo que a Bíblia efetivamente chama de cura. Temos hoje na igreja uma ideia completamente diferente do que na Bíblia pode ser entendido como saúde física, mental e financeira. Por conta disso peço a atenção e a paciência de vocês para tentar expor alguns dos aspectos da relação doença e cura que a Bíblia tenta nos passar através de ensinamentos e exemplos práticos.

O Primeiro Testamento afirma que a doença entre os orientais nada mais era do que um flagelo causado por espíritos malignos enviados por um deus para castigar o povo pelos delitos que contrariavam os desejos da divindade. Como a doença era uma manifestação demoníaca a medicina dependia quase que exclusivamente dos magos e da sua magia. Somente depois que os gregos, com o seu sentido apurado de observação, é que a ciência médica começa a se tornar autônoma. Interessante que em Israel nenhuma das duas tendências se torna realidade. Embora a revelação bíblica deixe de lado o aspecto científico da doença, não imputa ao mundo das trevas o poder de administrá-la. Todo o processo que leva da doença à cura só encontra sentido no Plano de Salvação de Deus. Mesmo as doenças cujos sintomas eram visíveis, como a lepra, ou óbvias, como uma fratura, não tinham as suas causas naturais investigadas, porque para o temente a Deus o essencial estava na outra ponta: para que direção a enfermidade está apontando, para quem foi por ela atingido. Mesmo assim, nas entrelinhas vamos descobrir que ainda era a vontade de Deus que estava por trás de todo o processo, pois é ele quem envia o Anjo Exterminador do Êxodo e quem autoriza Satanás a flagelar Jó, mas em todos os momentos é Deus que está no controle.

O profetismo vem acrescentar um dado novo ao estabelecer a relação da doença com o pecado. A doença, assim como a fome, a miséria e a injustiça são contrárias à intenção primeira de Deus quando criou o homem para a felicidade. Elas não faziam parte do plano inicial e somente entraram no mundo como consequência do pecado. Podemos averiguar esta relação nos salmos de súplica, onde a onde as orações por cura estão sempre ligadas a uma confissão de pecados. Nas alianças que Deus propõe ao homem está sempre presente o binômio obediência, que conduz à bênção, opondo-se à infidelidade, que arrasta para a maldição. Resta ainda saber uma coisa: a doença é causada pelos pecados pessoais ou pelo pecado coletivo? E quando a doença atinge o justo? Ela não pode ser um sinal de maldição, seria então uma provação para atestar a sua fidelidade? No caso específico do Servo Sofredor de Isaías, ele sofre voluntariamente pelos pecados de quem?

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