Doença e cura III

Jesus e a mulher cananeia, no Museu
dos Agostinianos, Toulouse, França
Isaías remete a história a uma realidade diferente da que ele mesmo vivia. Esta nada mais é do que a realidade em que vivem hoje aqueles que acreditam que foram cumpridas as suas profecias, ou que acreditam que pelo menos elas começaram a ser cumpridas. Quando fazemos Jesus encarnar a figura do Servo Sofredor anunciada por este profeta, a doença e a sua cura assumem características distintas. Jesus deparou-se continuamente com enfermos em seu caminho, contudo, não interpretou a doença como um castigo de Deus, mas sim como
resultado da opressão, da iniquidade e da injustiça que dominavam o mundo. Consciente dessa situação Jesus teve compaixão dos doentes e manteve a sua opção preferencial pelo atendimento a essas pessoas. Sem estabelecer um limite claro do que seria a doença natural ou obra do reino das trevas, ele se empenhou de corpo e alma em expulsar o mal do mundo, e deste modo fazendo declarou o fim deste reino maligno inaugurando assim o Reino de Deus, no qual um dos sinais visíveis será a extinção de todos os males que afligem as pessoas. Isso não quer dizer que a doença desapareceria de imediato, mas que o resultado final é líquido e certo, para tanto, o cristão diante de qualquer mal deve demonstrar antes de tudo confiança. É fundamentalmente isso que Jesus pede que seus discípulos façam: que creiam, pois pela fé tudo é possível. Ter fé em Jesus implica em ter fé na materialização do Reino de seu Pai em um mundo que sinaliza justamente o contrário, e essa é a fé que liberta e salva.

Através daquilo que chamamos de milagres, palavra que não existe na Bíblia, pelo menos na conotação que a damos, Jesus nos permite entrever o estado de perfeição que encontraremos quando da instauração definitiva do Reino. O contraste entre a doença e a cura define bem o estado do homem que está cego, surdo e paralisado e encontra a cura pela fé, que de modo algum significa a restauração imediata e irrestrita da saúde física, mas a certeza de que caminhamos para a cura, ainda que a doença nos mate. Jesus tomou sobre si todas as enfermidades do mundo para que este, livre de qualquer amarra ao estado de pecado que a doença sinaliza, para que possa optar pela cura, pois esta agora está à sua disposição.

Um dos sinais do Reino são as curas. Jesus quando foi desafiado a mostrar evidências desse Reino, disse simplesmente: Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. É este o grande legado que deixou aos seus enviados, que por comissão definitiva se dispõem a continuar realizando esses sinais do Reino até a sua plenitude. Logicamente que esses sinais não substituem a pregação efetiva do evangelho e nem servem para que o mundo venha a crer nele. Em última análise eles falam do poder que tem o nome de Jesus sobre todos os males, mas que a adesão ao Reino não se dá pelo testemunho de tais milagres, mas sim pela fé de que vindo os milagres a acontecer no presente ou não, existe por trás da história um Deus soberano que nos ama e nos aceita enfermos ou com saúde.

Um dos carismas assinalados por Paulo quando escreveu aos coríntios é o dom da cura como sinal permanente da ação do Espírito Santo em nossas vidas. Mesmo sendo um dom diferenciado não requer a pompa de um espetáculo pirotécnico para a sua concretização, pelo contrário. Vinha através de atitudes simples como a unção com óleo, que era largamente utilizada por todos os povos no passado, a oração e a confissão de pecados. Os teus pecados estão perdoados, a tua saúde restaurada, a tua fé liberta de superstições, a tua caminhada em direção ao Reino agora se faz possível.

Esta cura, por mais que se afirme que é uma manifestação pública da ação de Deus, não vai fazer com que o mundo se livre imediatamente das consequências de modo mágico. Enquanto durar a humanidade ela vai carregar sobre si as consequências do pecado. No entanto, pela sua paixão e morte Jesus deu a cura um novo sentido: as nossas aflições se unem ao sofrimento de Cristo, pois se com ele sofremos e morremos, com ele seremos ressuscitados. Cabe àqueles que se interam desta realidade, propagá-la a todos os povos. Não como regra de uma religião ou como uma condição imposta pela lei. Independentemente de credo ou religião, alguns poucos que aceitam esta condição como desafio de vida ouvirão o próprio Cristo dizer: Vinde benditos de meu Pai para o Reino que vos está preparado desde a fundação dos séculos, porque estive enfermo e me visitastes, pois quando fizestes a cada um destes meus pequeninos, a mim o fizestes.

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