Dividindo a grana

Jesus e o jovem rico, arte chinesa de 1879
Jesus olhou para ele com amor e disse:
— Falta mais uma coisa para você fazer: vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres e assim você terá riquezas no céu. Depois venha e me siga. Quando o homem ouviu isso, fechou a cara; e, porque era muito rico, foi embora triste. Jesus então olhou para os seus discípulos, que estavam em volta dele, e disse:
— Como é difícil os ricos entrarem no Reino de Deus! Mc 10,21-23

Umas das características marcantes das loterias em todo mundo é que elas sempre batem seus recordes de
arrecadação todas as vezes que acontece de uma só pessoa ganhar o cobiçado prêmio sozinho. Parece que todo mundo quer ficar rico sozinho sem dividir o dinheiro com quem quer que seja. O dinheiro é a lâmpada mágica da qual sai o gênio que realiza todas as nossas fantasias, mesmo as mais loucas. O dinheiro é o símbolo universal do poder. O dinheiro é o símbolo universal também do controle sobre as realidades que dividem o mundo em níveis. O dinheiro representa também independência, e isso é não fazer mais a vontade dos outros, não se relacionar mais com aqueles que são obrigados a fazer a vontade dos outros e não se relacionar mais com Deus. Para a maioria das pessoas o dinheiro é a chave de uma felicidade sem limites. Basta perguntarmos qual é o maior desejo de uma pessoa para ouvirmos dela que é ganhar na loteria sozinha. Somente alguns indivíduos ou algumas nações que alcançaram o estágio de serem extremamente ricas é que sabem que o dinheiro não traz a felicidade prometida, não traz mesmo. Mas essa realidade ainda é um dos segredos mais bem guardados de toda história, por isso é que ninguém acredita nela e faz com que cada vez mais o prêmio da loteria cresça.

Por que o dinheiro se tornou tão exaltado? Por que se tornou a razão de ser de muita gente? Sabemos que a invenção do dinheiro e a ideia de acumulá-lo transformaram radicalmente a civilização. No início da história humana não havia dinheiro e nem propriedade como temos hoje. Então, não havia também a necessidade de se manter um governo para controlar as riquezas e propriedades. Ainda se pode encontrar na África povos que não vivem dessa maneira, onde tudo é dividido e compartilhado entre todos. Quando acontece de alguém de uma tribo chegar de repente numa outra tribo, ele está automaticamente convidado a comer e a dormir com eles. No interior do Brasil, os boias frias, como são chamados os trabalhadores rurais, ainda preservam o costume de nos oferecer a sua comida antes mesmo deles começarem a comer. Isto é um sinal de que existe dentro de nós um instinto primitivo de repartir com os outros. Mas juntamente com a chegada das ferramentas de produção e das armas, chegaram também o acúmulo de alimentos e o comércio. O símbolo do poder não era mais o dote físico ou a habilidade com as armas, mas quem tinha mais alimento para vender. Assim o individualismo financeiro e a ânsia de poder se casaram. Seus filhos hoje em dia são os que ganharam sozinhos na loteria, os novos milionários, e a vontade primitiva de repartir quase desapareceu da face da terra.

O maior de todos os pecados é o orgulho, a tendência de querer ser o maior e melhor que os outros, a tendência de colocar-se como Deus no seu próprio universo. Esse é o nosso maior pecado. O acúmulo de riqueza e poder tornou-se mais que natural, torno-se inevitável quando o homem se transformou em uma criatura econômica. Mesmo no tempo de Jesus isso já era uma realidade, e ele viu o amor ao dinheiro como algo muito perigoso. O cristão é aquele que ama a Deus com toda a sua alma, com toda a sua força e com todo o seu entendimento, e que ama o próximo como a si mesmo. Jesus disse que o cristão não deve dominar os outros como os outros povos fazem. O cristão não está no mundo para dominar ninguém, e sim para amar o mundo. Os governos dominam, e os que exercem poder tiranizam as pessoas, mas entre vocês não seja assim. Quem quiser ser o primeiro, seja o último, pois até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em favor do mundo, disse ele. Apesar de Paulo ter afirmado que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males e que só nos trará sofrimento, nós continuamos a acreditar que o dinheiro só nos trará alegria. Preferimos acreditar antes na loteria do que em Paulo.

Então como devemos pensar sobre dinheiro e riquezas? Até fazer este tipo de meditação é complicado, porque achamos que não se deve tocar nos assuntos que causem constrangimento. Devemos pensar que o dinheiro em si não é um mal. A maneira de consegui-lo e o jeito que se usa é que determinará se ele é bom ou mau. A despeito de exemplos de doação voluntária de todos os bens, a maioria de nós trabalha para viver. Então a pergunta deve ser: Quanto dinheiro eu preciso ganhar para viver, para satisfazer a necessidade da minha família, para garantir o meu futuro, para me prevenir contra uma doença? Quanto eu preciso ganhar? Cinco mil? Quinze mil? Cinquenta mil? Posso avaliar sinceramente o quanto eu preciso, ou sou eu um escravo do meu próprio dinheiro? Santo Agostinho disse que os cristãos dizem que não amam o dinheiro, mas é só ele começar a desaparecer que o amor escondido se revela. Nós não fazemos ideia do quanto dependemos de nossas posses materiais até que sintamos falta delas, por isso nós precisamos vamos conferir nossos valores. O que tentaremos fazer na postagem seguinte a essa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...