Profetismo, o bíblico e o atual III

Profeta Isaías, Rafael
Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões, mas os justos verão a ruína deles. Corrige o teu filho, e te dará descanso, dará delícias à tua alma. Não havendo profecia, o povo se corrompe; mas o que guarda a lei, esse é feliz. Pv 29.16-18

Quando chamamos um desses homens de profeta usamos uma palavra que foi traduzida do termo hebraico nabi, que é uma expressão que eles mesmos não conheceram, pois esta palavra foi usada com este sentido somente quando a profecia era coisa do passado. Eles eram conhecidos no seu tempo como dãbãr, que quer dizer portadores da palavra, n’um,
que significa oráculo ou massã, que quer dizer visão ou sentença. Mas isso não invalida o fato de que eles estivessem convencidos de que só poderiam fazer as suas profecias se estivessem debaixo da autoridade de Deus, e estas não eram comunicadas apenas com palavras. Era comum empregarem mímicas, pantomimas ou mesmo trechos musicados. Ainda assim, a palavra nabi não era unicamente empregada com a finalidade de designar os profetas do passado, como os concebemos hoje. Ela poderia ser usada também para designar um “homem do espírito”, como eram chamadas as pessoas que realizavam os seus oráculos em estado extático (de êxtase). Por outro lado, o termo grego prophetés, que se imagina ser a versão grega mais apropriada para nabi, nunca é empregado para quem faz predições ou adivinhações do futuro. O grego utiliza esta palavra para identificar aqueles que falam em nome de Deus revelando coisas obscuras ou aquilo que está acima da compreensão do homem comum. É importante observar que os profetas clássicos, como Jeremias e os outros, nunca chamaram a sim mesmo por esses nomes. Já Amós (7,14) e Miquéias (3,8) vão além, aparecem rejeitando-os incondicionalmente. Zacarias, Ageu, Naum e Habacuc são chamados assim pelos editores de seus escritos. Apenas Ezequiel se permite chamar deste modo. Isaías dá a entender que é um nabí, mas o faz considerando o fato de que manteve relações sexuais com uma profetisa, fazendo-se assim um profeta simplesmente por ser marido da profetisa (8,2).

Quando escavamos as raízes desta palavra observamos que ela era empregada de modo completamente diferente das conotações que a damos hoje me dia. Embora estes profetas do Primeiro Testamento gozassem de um certo prestígio diante do povo, de forma alguma eram intocáveis ou irrepreensíveis. A expressão “ai daquele que tocar em um ungido do Senhor” não foi dita por qualquer destes profetas e sim pelo rei Saul, que quando se viu ameaçado de morte apelou vergonhosamente para uma suposta ligação com Deus com o intuito de se livrar da condenação iminente. Além disso, a associação unção e profecia só foi levada efetivamente ao pé da letra na sucessão de Elias por Eliseu, e ainda assim não podemos dizer que foi uma unção formal. Contrariado por ter ser sido substituído pela sua hesitação diante de Jezebel, Elias acintosamente joga sua capa sobre Eliseu eu um flagrante gesto de indignação. Ninguém ungiu qualquer dos profetas escritores. Eles mesmos, por sua própria intuição, se dispuseram a pregar a mensagem de Deus, que nunca era para conciliar ou acomodar uma situação iníqua. Suas línguas estavam sempre afiadas para denunciar as injustiças que campeavam impunemente em Israel, o que os fazia pessoas detestáveis pelos governantes e poderosos da sua época.

Seria impensável que naquela época um profeta fosse chamado para compor o governo, como fazem os partidos políticos de hoje. Mesmo aqueles que nasceram na aristocracia do palácio ou do sacerdócio, como Isaías, Jeremias e Ezequiel, revoltaram-se ferozmente contra a sua própria classe, tornando-se por elas proscritos. Seria impensável também que uma voz profética se prestasse para fazer política em favor deste ou daquele governante, como fazem abertamente os líderes de grandes igrejas atualmente. Havia sempre apreensão pelas suas presenças, e a tensão se instaurava imediatamente após as suas pregações.

Definitivamente a Palavra de Deus não pode subir em um palanque, quanto mais tomar partido em eleições. Ela foi dada aos profetas para vigiar e denunciar tudo o que lá de cima está sendo prometido e não cumprido. Ela é o parâmetro que deve se manter fiel, porque é assim que a própria Bíblia a apresenta: não havendo profecia o povo se corrompe. (Pv 29-18)

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