Profetismo, o bíblico e o atual V

João Batista batizando o povo, Nicolas Poussim
Depois de um longo vazio no profetismo de Israel, que durou também cinco séculos, interregno que os estudiosos chamam de período intertestamentário, entramos no Segundo Testamento com os profetas curandeiros. Embora a Bíblia mencione alguns poucos, como João Batista, Teudas, Judas, o Galileu (At 5.35s),
 e o próprio Jesus Cristo, que também era um curandeiro, a história judaica acrescenta um bom número a essa lista. Dentre estes que iniciaram o seu ministério profético se projetando através das curas que faziam, surgiram alguns que assumiram características militares, arregimentando consideráveis exércitos com o intuito único de promover a cura de toda a nação, que seria a expulsão dos romanos de suas terras e o livramento do seu jugo. Mas alguns desses profetas foram além, assumiram sobre si o papel de um personagem lendário, que somente era lembrado nos tempos de grande opressão: o papel de Messias, que, apesar de todo glamour e mistério que ainda cerca este título, significava simplesmente aquela pessoa tinha sido ungida, e cuja tradução para o grego resultou no nome Cristo. Contudo, seguir esse rumo nos tiraria da proposta inicial da meditação, que é estabelecer uma relação entre os se dizem ser profetas atualmente e os que a Bíblia chama de profetas.

Um profeta que merece total relevância é João, o batista. Apesar de todo crédito que merecidamente lhe damos, jamais alguém pensaria em colocá-lo no lugar em que Jesus o eternizou. Jesus simplesmente o considerava o maior de todos os profetas nascidos de mulher. Muito embora em suas pregações ou diálogos nunca fizesse menção a qualquer palavra dita por João, como fez frequentemente com Isaías e Jeremias, muito pelo contrário, foi adverso a ele em algumas ocasiões, Jesus tinha por João e pelo seu ministério um respeito inconcebível para muitos. Devemos nos perguntar: do que consistia de fato esta mensagem que fez com que o batista superasse todos os seus pares que viveram antes dele?

Para João o machado já estava colocado à raiz da árvore, e árvores como a figueira, eram símbolos conhecidos por todo o povo, e que acompanhava Israel a séculos. Sem se preocupar muito com a continuidade do plano de salvação de Deus ou pelo que viria a seguir, João via o fim iminente e prestes daquela nação, e dizia também que somente aqueles que se arrependessem, deixassem as cidades, os núcleos de perversão, e o acompanhassem no deserto, teriam alguma chance de escaparem com vida. Para João, Deus quer recomeçar uma nova nação a partir do deserto, como que um novo Êxodo se anunciasse como inevitável. Era textualmente o fim de tudo: o templo seria destruído, Jerusalém viraria ruínas novamente, e o único caminho que não levava ao exílio passava pelo arrependimento e pelo deserto.

É importante que se interprete o ministério de João como precursor do ministério de Jesus, mas que o segundo de forma alguma este anula ou enfraquece aquele. De fato o machado já está colocado à raiz da árvore, os galhos infrutíferos serão arrancados e queimados, e os que dão frutos serão podados para que deem mais fruto ainda. A dupla função do machado de João não foi suprimida com Jesus, foi de fato ampliada, e a profundidade do seu corte se dará pela avaliação da produção de frutos. É interessante que o símbolo fruto também foi empregado por João em suas mensagens. Dizia ele, pois, às multidões que saíam para serem batizadas:Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.

No meu entendimento há poucas mensagens tão atuais quanto esta na Bíblia. Posso dizer também que poucos foram tão explícitos em suas pregações como João. Ele não somente definiu as razões que levaram Israel a se tornar uma nação estéril, como determinou que frutos o seu povo deveria produzir a partir de então. Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo. Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado. Também soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo.

Seria possível que Jesus realmente tivesse ignorado a mensagem de seu precursor quando não fez qualquer citação de trechos das contundentes mensagens proferidas e divulgadas por todos os lugares por onde andou, ou fez de fato o que desde o início de propusera a fazer? Levou-a além, levou-a ao pleroma, à sua plenitude mais consistente e mais fiel?

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