Seguimento

Mulher de Ló, Ernest Descals (1956-)
Quando Jesus e os discípulos iam pelo caminho, um homem disse a Jesus: 
Eu estou pronto a seguir o senhor para qualquer lugar onde o senhor for. Então Jesus disse: 
As raposas têm as suas covas, e os pássaros, os seus ninhos. Mas o Filho do Homem não tem onde descansar. Aí ele disse para outro homem: 
Venha comigo. Mas ele respondeu: 
— Senhor, primeiro deixe que eu volte e sepulte o meu pai. Jesus disse: 
Deixe que os mortos sepultem os seus mortos. Mas você vá e anuncie o Reino de Deus. Outro homem disse:
 
Eu seguirei o senhor, mas primeiro deixe que eu vá me despedir da minha família. Jesus respondeu: 
Quem começa a arar a terra e olha para trás não serve para o Reino de Deus. Lucas 9.57-62

Este episódio narrado por Lucas mostra Jesus envolvido com três situações em que distintas comissões são ordenadas. É um texto que vem confirmar com todas as suas letras que a forma com que o evangelho aborda, se anuncia, faz-se compreensível e desafia é individual e única para cada pessoa. Logo de saída coloca em cheque o tão concorrido momento do testemunho que, ao que parece, é componente obrigatório em quase todas as liturgias dos cultos cristãos atuais. Não estou dizendo com isso que e troca de experiências não seja uma prática salutar, caso não fosse assim não estaríamos hoje lendo a Bíblia e não tomaríamos conhecimento das manifestações de Deus no passado. Mas sim que a manifestação de Deus na vida cada indivíduo não deve ser motivo de propaganda do evangelho e muito menos servir de currículo para Jesus, mesmo porque ele não é candidato a nada. Muito menos a vir a ser Senhor de alguém, porque ele já é independentemente de atender ou não atender a solicitação desta pessoa, e se ela crê ou não crê nele.

Voltando ao texto, vemos que a primeira, assim como a terceira pessoa da narrativa, tomam a iniciativa de segui-lo mesmo sem serem chamadas. A segunda é a única a quem Jesus chama realmente. Contudo, a prontidão em responder positivamente ao seu chamado é a semelhante nos três casos, da mesma forma que o são o desprendimento à maioria dos vínculos pessoais e predisposição à vida de renúncias e desconforto, como também o desejo de seguir o Mestre. Até aqui não há nada de errado e nenhuma desaprovação cabe às atitudes destes três discípulos anônimos do evangelho.

Ao primeiro Jesus se mostra semelhante a Jacó na sua peregrinação solitária em que tem como travesseiro apenas uma pedra. Em português atual Jesus estaria dizendo para ele que o evangelho é “pedreira”, que os horários e paradeiros não podem ser considerados e que a volta nem sempre é certa. Seguir Jesus é caminhar errante sem pátria e sem lar.

Quanto à ressalva do segundo, nada mais justo. É dever sagrado enterrar os pais, porém, aqui se revelam algumas controvérsias. Primeiramente, a proposta de Jesus é de uma nova vida através de um novo nascimento, o que exige total rompimento com as coisas passadas. Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer. (Hebreus 8,13) Quando se conta que de fato os pais não estavam mortos, e este ato era apenas, a exemplo do filho pródigo, o pedido de partilha de herança com os pais em vida.

O terceiro se assemelha à mulher de Ló, que apegada às regalias que tinha quer ter uma última visão do passado para guardá-la na lembrança. Tanto Jesus quantos os profetas fazem alusão a este rompimento com um passado que já está condenado, senão às chamas, à destruição completa. Jesus propõe ao homem que faça a escolha de Eliseu, que assim que foi comissionado traçou uma linha reta em direção ao objetivo.

É bom que se diga no fechamento deste arremedo de meditação que todas as restrições impostas por Jesus dizem respeito ao Reino de Deus, de como devemos esperá-lo e de como devemos nos aprontar para os seus desafios. É bom que se diga também que mesmo a esses não foi negada a possibilidade de salvação. Todos esses convites e advertências destinam-se àqueles que se predispõem a seguir Jesus por onde quer que ele enviar. Quanto àqueles que não são chamados, ou pelo menos ainda não se sentiram chamados que isso não sirva de ameaça, porque o Reino de Deus não faz este tipo de pressão. Quanto aos que renegam, ainda resta um fio de esperança, no dizer de Paulo, a última alternativa de Deus: Se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo.

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