O que é DECÁLOGO? II

O chamado de Moisés, Sandro Botticelli, em 1482
Do ponto de vista histórico, não há dúvidas de que o decálogo é anterior à data em que recebeu a sua forma literária, tanto no Êxodo quanto no Deuteronômio. Alguns autores colocam a sua origem no tempo dos profetas, cuja pregação é um reflexo dele. Existem também teólogos que afirmam que a pregação profética pressupõe um decálogo, mas que não o criou, pois a reação de alguns profetas é tão firme que transparece por trás uma tradição conhecida e inquestionável, como se pode ver no confronto de Davi por Natã (II Sm 12.1-11) e de Elias contra os profetas de Baal. (I Rs 17) Não há como questionar que os profetas fazem referências a um catálogo de pecados conhecidos contra prescrições invioláveis: Embora eu lhe escreva a minha lei em dez mil preceitos, estes seriam tidos como coisa estranha. (Os 8.12)

Além disso, ainda é viva a lembrança de uma legislação no deserto, em duas tábuas de pedra: Apresentastes-me, vós, sacrifícios e ofertas de manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? (Am 5.25) Também não há razões para se discordar da tradição que reconhece o decálogo na administração de Moisés. A proibição de adoração de imagens é um forte argumento desse pensamento, embora o fervor espiritual deste apelo não existisse nesse tempo. Muitos alegam, no entanto, que a proibição de pecados de foro íntimo e maus desejos seria inverossímil no princípio da Idade do Ferro. Falta ao texto original do decálogo alguma referência à instituição da vingança de sangue, que estava em voga em outros decálogos contemporâneos, como o famoso Código de Hamurabi. Todos esses argumentos não provam nada. Se quisermos fazer uma leitura honesta, seria preciso aceitar o decálogo como um testemunho inequívoco da tradição judaico-cristã.

É importante não perdermos de vista o fundo histórico do decálogo promulgado por Moisés. Existem, de fato, algumas semelhanças com o catálogo de pecados do Livro dos Mortos dos egípcios, como também com os textos mágicos da Assíria. Isto mostra que a maior parte dos mandamentos do decálogo de Israel já era conhecida antes mesmo de Moisés. Proibições contra roubos, assassinatos, falso testemunho, desprezo aos pais e ofensa aos deuses eram considerados moralmente errados por todos os povos da antiguidade, pois eram consideradas violações a uma lei natural e consensual. Digno de referência é que, em comparação com as prescrições ritualísticas de egípcios e babilônicos, povos bastante civilizados, o decálogo dos hebreus possui profundeza e radicalismos extraordinários. O Deus de Israel faz exigências ao seu povo que apelam para o que há de mais profundo na consciência do homem. Tal intervenção sobrenatural de Deus na vida privada e social do indivíduo é totalmente desconhecida por aqueles povos. Os textos pagãos além de serem moralmente inferiores e estão imbuídos de uma forma magia que pretende pressionar o povo através do medo, em vez de convidá-lo a ser fiel pela razão.

Por fim, a questão histórica é a credibilidade da tradição que atribui a Moisés o papel de mediador do decálogo. Ninguém melhor que ele, que foi educado com o melhor da cultura egípcia, ficando, por isso, seriamente abalado na sua juventude com a crise religiosa de Amenófis IV, que se autodenominou Acnaton. A providência de Deus se serviu muito bem destas circunstâncias para inculcar-lhe a base monoteísta e suas obrigações éticas. A intenção do autor sagrado é bem clara: a escrita gravada nas tábuas é do próprio Deus, mas a obra da sua divulgação e implementação é do seu servo Moisés. O dom é do Espírito de Deus, mas é destinado a toda a carne, tanto ao antigo quanto ao novo Israel, por isso esse dom foi frequentemente citado por Jesus e pelos apóstolos, que os coloca diretamente atrás de apenas dois mandamentos, os únicos que lhes são superiores: o do amor a Deus e do amor ao próximo.


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