O que é DECÁLOGO?

Decalogo, Joos van Gent (1410-1480)
São assim chamadas as “dez palavras” que Moisés escreveu por ordem de Deus, segundo o Êxodo, ou que o próprio Deus escreveu, segundo o Deuteronômio, nas duas tábuas de pedra que continham as obrigações fundamentais da aliança. A respeito do decálogo podemos ponderar questões de ordem literária e histórica.

As questões de ordem literária podem ser vistas nas duas versões do decálogo citada acima. Na maior parte essas duas fórmulas se assemelham, são prescrições breves e compactas
colocadas na segunda pessoa do singular, que contém proibições de âmbito geral, fugindo assim do clássico direito casuístico. Porém, algumas diferenças podem ser notadas no estilo literário destas duas fórmulas. O Deuteronômio isola a esposa da relação dos demais bens do próximo, fazendo dela um objeto especial de proibição de cobiça: Não cobiçarás a mulher do teu próximo. Não desejarás a casa do teu próximo, nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo. (Dt 5.21) Já no Êxodo ela é citada como um deles: Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo. Isso mostra que aconteceu um evidente avanço do espírito humanitário e na valorização da mulher entre duas gerações de escritores. O mesmo espírito se manifesta na motivação do descanso do sábado, enquanto o Êxodo aborda o aspecto religioso da lei, pois é prescrito como imitação do descanso de Deus: Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou. Já o Deuteronômio se fixa no fundamento social da lei: Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro das tuas portas para dentro, para que o teu servo e a tua serva descansem como tu.

Do ponto de vista literário o número dez não é consenso, e ainda hoje debate-se esta diferença. Como o Deuteronômio distingue a mulher dos demais pertences, fazendo este mandamento ser um prescrição contra o adultério, e não contra o roubo, especula-se ser dois mandamentos distintos. Esta opinião é também reforçada na septuaginta, que coloca a cobiça da esposa do próximo antes da cobiça dos seus demais haveres. O Talmude e os pais apostólicos antes de Agostinho consideraram um só mandamento, e é a versão aceita na igreja grega e entre os calvinistas até hoje. Por isso, estas tradições dividem o mandamento de proibição e adoração de imagens em dois, restaurando assim o número dez no decálogo.

Temos que levar em conta que a adoração de ídolos coincidiu com a idolatria generalizada, onde a quebra do vínculo familiar era aceita como normal e até exaltada como forma de culto. Fica difícil, portanto, dirimir a questão de sobre qual das duas tradições, a que une a idolatria à veneração de imagens ou a que distingue as duas espécies de cobiça, corresponde mais fielmente ao conceito original do mandamento. Não vale o argumento de que cada uma das tábuas deve conter cinco mandamentos, e nem refutar que a metade deles diz respeito a Deus e aos pais, e a outra metade ao próximo. Podemos, sim, dizer que tanto Êxodo 20 quanto Deuteronômio 5 constituem duas variantes de um mesmo texto original, e que as diferenças entre as duas fórmulas provam que o decálogo deve ter raízes muito profundas na tradição do que poderíamos chamar de decálogo cúltico, que os exegetas de hoje tentam reconstruir a partir de textos como Êxodo 34.14-26. O decálogo trata de nos exprimir o mínimo de exigências que fundamentam a vida religiosa e moral do povo de Deus em qualquer tempo. (continua) 

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