A Reforma Wesleyanada do século XVIII

John Wesley em gravura da época
Texto do rev. Duncan A. Reily
O PAPEL DA BÍBLIA
Em sua carreira reformista, João Wesley percebeu bem cedo a importância não só da evangelização, como também da edificação das pessoas evangelizadas.
Assim, na “Fundição”, local que se tornou a sede dos metodistas em Londres, ele introduziu a “pregação da manhã”. Ele insistia que os crentes se reunissem para cultuar a Deus diariamente, às cinco horas. Nessas reuniões, ele fazia breves exposições bíblicas, frequentemente abordando um versículo por dia.

No prefácio do primeiro volume dos seus Sermões, Wesley declarou ao mundo seu ideal de ser homo unius libri (homem de um só livro). Alguns anos atrás, aceitei o desafio de fazer uma nova versão dessa obra. Logo percebi que a mente de Wesley estava tão saturada com a Bíblia que ele usava não apenas a doutrina, mas também a linguagem bíblica. Outra evidência de que ele buscava ser homo unius libri é seu livro Notas Explicativas sobre o Novo Testamento (1753-1754), em cujo prefácio ele declara: “Durante muitos anos, venho desejando pôr no papel em forma conveniente tudo que me tem vindo à mente pela minha leitura, pensamento ou conversação que poderia ajudar pessoas sérias, que não tiveram a oportunidade de educação formal, na sua compreensão do Novo Testamento”. Depois de mencionar, modestamente, falta de “erudição, experiência e sabedoria” como razões da sua demora em preparar tal obra, ele explica que teria de fazê-lo logo, pois uma doença séria parecia indicar a proximidade da morte. Sem forças para viajar ou pregar, mas ainda capaz de “ler, escrever e pensar”, ele se dedicou à tarefa de produzir, com a ajuda do seu irmão Carlos, as Notas.

O SACERDÓCIO UNIVERSAL DOS CRENTES
Um dos aspectos mais importantes da obra de Wesley foi a reapropriação da doutrina do sacerdócio universal dos crentes. Além disso, ele fez uma aplicação mais larga do que aquela feita por Lutero. Como exemplos disso, citam-se a pregação de leigos e o trabalho da mulher.

Durante os primeiros anos do movimento, seus principais pregadores foram os irmãos João e Carlos Wesley. Thomas Maxfield havia se convertido por meio da pregação de João Wesley em Bristol e se ofereceu para ajudá-lo da maneira que este designasse. Certa ocasião, estando Wesley ausente de Londres, Maxfield começou a pregar na Fundição, algo quase inédito naquele tempo. Ao saber da irregularidade, Wesley voltou a Londres às pressas para proibir tal aberração. Todavia, ouvindo a pregação do jovem, exclamou: “É do Senhor! Seja feita a vontade dele!” Depois disso, já aberto à ideia da pregação leiga, ele estabeleceu uma série de critérios a que qualquer leigo tinha de atender para ser autorizado a pregar. A pessoa precisava ter:
(1) graça — experiência da justificação pela fé, por meio da graça de Deus;
(2) dom — capacidade de transmitir a outros o plano divino da salvação;
(3) frutos — pessoas arrependidas, testemunhando ter passado da morte espiritual para a vida por meio da sua pregação.
Se o jovem atendesse a estas condições básicas, ele era arrolado como pregador em experiência e começava o seu preparo intelectual, principalmente pela leitura. Wesley preparou para os pregadores leigos cinquenta tomos massudos de matéria teológica, desde os pais apostólicos até teólogos do século XVIII.

A vocação e prontidão dos pregadores leigos em servir como “filhos no evangelho” eram condições consideradas sine qua non por Wesley. Mas eles não precisavam passar longos anos na universidade. Logo depois de serem licenciados para pregar, eles entravam em atividade. Eram homens do povo, o que facilitava a sua comunicação com as massas inglesas. Portanto, é fácil perceber como a pregação leiga foi um fator importantíssimo no alastramento do metodismo.

Dois dias depois de começar a pregação ao ar livre, Wesley começou a incluir a mulher no quadro dos seus colaboradores. Nos agrupamentos promovidos para o alcance dos alvos do movimento, havia uma liderança feminina para as mulheres. Além disso, as mulheres ensinavam nas escolas e orfanatos do movimento, bem como em outras obras de caridade. Foi uma mulher (Ana Ball) que fundou a Escola Dominical em High Wycombe em 1769, onze anos antes das escolas de Roberto Raikes, o fundador oficial da Escola Bíblica Dominical.

Por ocasião do enterro da sua mãe, Susana, Wesley registrou em seu diário (01/08/1742) parte de uma carta escrita por ela em 1712, na qual ela descreve cultos com mais de 200 pessoas dirigidos por ela. Isso leva a crer que Wesley via sua mãe como precursora das pregadoras que surgiram no meio do movimento. Temos de confessar que ele não reconheceu com o mesmo entusiasmo e aprovação a pregação feminina que marcava o trabalho de leigos “movidos pelo Espírito para pregar”. Entretanto, não a proibiu. Alguns ramos do movimento, como os Metodistas Cristãos da Bíblia e o Exército da Salvação, deram um lugar de destaque para a mulher pregadora.

Concluo com palavras do próprio João Wesley: “O que pretendo é declarar abertamente a toda a humanidade o que é que os chamados metodistas já fizeram e fazem agora — ou, melhor, o que Deus já fez e continua fazendo em nossa terra. Porque não é o trabalho do homem que apareceu recentemente. Todos que observem calmamente devem dizer: ‘Foi o Senhor que fez isto e é coisa maravilhosa aos nossos olhos’  Sl 118.23.”

Duncan A. Reily foi doutor em história da igreja pela Emory University, em Atlanta, Geórgia, ex-professor da Universidade Metodista de São Paulo e autor de História Documental do Protestantismo no Brasil. (1924-2004).

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