Bodas de Caná (final)

Bodas de Caná,  Julius Schnorr von Carolsfeld (1794-1872) 
Um segundo aspecto a considerar é a finalidade da água que estava guardada naqueles enormes potes. Era água para cerimônia de purificação, para uma limpeza exterior, para eliminação de qualquer tipo de contaminação. Uma água que separava os judeus dos não judeus, os puros dos impuros, os ungidos dos não ungidos. Estabeleciam desta forma o relacionamento com um Deus que exigia altíssimos graus de
pureza e infinita distância do profano.  Uma cerimônia que identificava de cara quem era realmente judeu de quem não era. Vocês hão de se lembrar de que certa vez Jesus foi advertido pelos fariseus porque os seus discípulos estavam comendo sem lavar as mãos, o que era o mínimo exigido para um judeu politicamente correto. E esta foi apenas uma das vezes que ele foi colocado em cheque. Diferentemente dos outras oportunidades em que travou um duelo teológico com seus adversários, nas bodas de Caná Jesus faz questão de mostrar as linhas mestras do seu ministério e antecipar a inversão de valores no relacionamento com Deus. Este era um passo tão radical que teve que ponderar se realmente aquela era a hora oportuna de levá-lo adiante. Sem querer ser herético, eu diria que ele teve um momento de hesitação quando foi de surpresa convocado por sua mãe para agir.

Ainda não chegou a minha hora. Por que Jesus disse isso depois que os céus se abriram confirmando ser ele o Filho amado de Deus? Como alguém pode imaginar-se fora de contexto depois que o maior profeta de seu tempo ratificara que a sua posição era superior a de qualquer dos profetas que o antecederam, e que nem mesmo ele, João, era digno de desatar as suas sandálias? Ouvindo isso, o que poderiam pensar aqueles que já haviam largado tudo para o seguirem? É bem possível que Jesus não estivesse se referindo ao sinal que iria realizar em seguida, mas à grandiosidade da obra de Deus, a qual a transformação da água em vinho era um singelo símbolo. Numa festa de casamento espera-se que sejam servidas bebidas variadas. Que a cerveja vai estar estupendamente, o vinho na temperatura correta, que tenha refrigerante diet etc. e tal. Contudo, é aqui que Jesus expõe mais um desafio. Tudo na cerimônia pode estar muito bom, mas não deverá ser sequer a imagem pálida daquilo para o qual o casamento está sendo realizado. Dali para frente as coisas mudam radicalmente tanto um para o outro, como muda também para cada convidado e para cada pessoa que cruzar o caminho de noivos.

Essa é a grande mágica de uma relação baseada no amor. Ela ultrapassa as barreiras domésticas, a relação marido e mulher e contamina tudo e todos à sua volta. O amor faz coisas que a química não explica, que a física não entende, que a matemática não calcula, pois ele faz com que a razão perca o seu juízo. O desafio de vocês, daqui para frente, é transformar tudo o que se toca em algo melhor do que a própria natureza e essência do qual as coisas foram criadas. É difícil não é? Mas não é impossível. Para vocês verem que é possível, eu vou terminar contando uma história verídica da qual eu mesmo sou testemunha. Muita gente poderia contar uma história semelhante, mas eu quero ter esse privilégio de contá-la aqui nesse blog. Havia uma mangueira na casa de uma senhora que dava frutos muito bons. E o comentário geral é que não havia mangas mais doces do que aquelas. E ela distribuía aquelas mangas entre os parentes e vizinhos com uma satisfação indescritível. Depois que aquela senhora se foi, todas as pessoas que haviam experimentado a manga comentavam que não entendiam porque elas já não tinham mais o mesmo sabor e o que havia acontecido com aquela mangueira. Até que um dos seus netos disse: Aquela doçura não vinha do tipo da manga, na qualidade do solo, nem na mangueira que as produzia. Aquela doçura estava nas mãos de quem trazia as mangas. Toda a doçura daquelas mangas estava nas mãos da vovó. Essa vovó era dona Alzira Duarte, que por mero acaso era também a minha mãe.

Esse é o verdadeiro propósito de um casamento cristão, que o casal melhore e se complete como pessoas, e transforme o mundo à sua volta. Que contribua efetivamente para que as coisas e as pessoas sejam melhores a cada dia. Esse é o desafio que está posto diante de todos nós: Vivermos com tanta intensidade essa relação, que a festa nunca termine. Que encontremos sempre no outro, uma alegria cada vez mais plena. Que consigamos sempre, mostrar o melhor de nós, e consigam também guardar durante o tempo que Deus nos permitir viver, o melhor vinho, não pelo preço ou pela safra, mas porque esse vinho foi transformado pelo poder do amor.

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