Por isso, o SENHOR espera, para ter misericórdia de vós, e se detém, para se compadecer de vós, porque o SENHOR é Deus de justiça. Quando te desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele. Is 30.18a e 21
Anita e Mario Way, 50 anos de trabalho com as crianças, 2013 |
Assim fui criado, sentindo-me responsável pelo sustento daquelas crianças. Era um dos primeiros a chegar e o último a sair. Contudo, isso não me pesava nem um pouco, porque ali era o lugar de encontrar os velhos amigos de outras igrejas e de arriscar o namoro com alguma garota nova na fé, porque as que me conheciam já não me davam mais atenção. A única rivalidade entre as igrejas era resolvida no ginásio, no tradicional torneio de futebol de salão. A quem estou enganando? As pessoas da minha barraca nutriam uma rivalidade secreta com a barraca da igreja da Tijuca, disputando com ela a honra de ser a igreja que mais arrecadava na festa. Eles tinham, além da imensa cozinha, a estrutura de uma grande rede de fast-food e as colocavam integralmente a serviço da instituição. Brigávamos contra eles centavo a centavo com nossos suculentos cachorros quentes e nosso geladíssimo caldo de cana. Para igualar a disputa, no balcão eu tentava atrair compradores com um chavão tirado indevidamente da Bíblia: Comamos e bebamos porque amanhã morreremos!
A coisa foi mudando. Nem todas as igrejas mantiveram a tradição de montarem as suas barraquinhas com quase tudo que podia ser vendido. Algumas, mostrando um amor distante, passaram a enviar apenas um cheque. Os pastores não mais privilegiavam aquele trabalho, tanto que eram poucos os que davam o ar da sua graça na festa. Em vez do esperado desfile das crianças, passaram a desfilar por lá candidatos a cargos políticos, fingindo ser populares naquele lugar que nunca haviam pisado anteriormente. Posando ao lado das crianças as quais jamais deram qualquer atenção. Fazendo-se íntimos dos organizadores para disputar um espaço maior no palco, que era ocupado somente por toscos corais e por desafinados grupos musicais. Em fim, a coisa toda era muito boa.
Mas um dia piorou de vez. Piorou tanto que atraiu a atenção da peste mais perniciosa que já se fez presente em uma reunião de cristãos: o artista gospel. Aqueles enfatuados que chegavam arrogantes ao orfanato em helicópteros ou em carros de luxo reclamando constantemente por não terem um camarim à sua altura. Nunca souberam, antes disso, que ali havia um trabalho com crianças órfãs, e que este trabalho era mantido por igrejas humildes que não podiam sequer pensar em pagar os seus cachês. Os mega star iam lá apenas por exigência dos seus contratos, para enriquecer mais ainda os ávidos donos das gravadoras. Por conta disso passaram a atrair crentes estranhos, pessoas que em nada pareciam com os antigos frequentadores do local, muito menos com a tradição da festa. Assim, desfiguraram por inteiro o antigo sonho de uma igreja que orgulhosa e penosamente mantinha o seu orfanato.
Não sei se magoado, frustrado ou simplesmente deslocado no tempo, só sei que num dia 1° de maio, que era o dia em que eu mais trabalhava no ano, estou aqui sentado, sem fazer nada. E pior, com vontade alguma de fazer aquilo que no passado me deu tanto trabalho e tanto orgulho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário