Não aos cães e não aos porcos

Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. Mt 7.12
Evolução do porco, Patrick Goivin (1975-)
Os alegres e bem nutridos cães de estimação, que na realidade se tornaram membros privilegiados em muitos lares, nem sempre gozaram desta estima e afetividade nas civilizações ao longo da História. Na cultura hebraica, por exemplo, não eram mais considerados que os proscritos, que as velhas prostitutas aposentadas dos templos pagãos ou os que tinham qualquer doença de pele, que na época era chamada de lepra. Quanto aos porcos, um simples contato com qualquer um que simplesmente tivesse tido contato com eles, já tornaria essa pessoas, uma imunda pecadora, alijada do culto. Contudo, pela contundência com que Jesus faz essa advertência, podemos muito bem entender que não é dos animais ou mesmo de pessoas cuja aparência ou modo de vida semelhante a eles, que ele está se referindo neste texto. Diante da precariedade em que vivia a nação judaica, espoliada que era pelos romanos, dar aos cães qualquer coisa que não fosse resto seria um desperdício inaceitável, como também uma afronta àquele que passa necessidade.

Em uma outra ocasião ele disse a mulher sírio fenícia que não era lícito dar aos cães o pão dos filhos. Embora este diálogo não fosse condizente com o caráter de Jesus, ele nada fez além de tratar o gentio como qualquer judeu tratava os gentios, como cães infiéis. Jesus não perderia tempo chutando cachorro morto. Por isso em penso que a questão se apresenta de forma bem mais complexa. Os cães em Israel eram os animais que estavam sempre em busca de alimento. Em uma cuja dieta incluía cadáveres, até os seus próprios vômitos eram bem vindos. É sobre a voracidade com que os líderes religiosos oprimiam, em nome da Lei, o povo. É sobre esse apetite insaciável dos governantes, que produzia cada vez mais pessoas descaracterizadas, de vida e comportamento digno dos animais. Esse é o basta de Jesus contra toda iniquidade daqueles que negam ao povo as condições mínimas de dignidade humana.

Se este sermão tivesse sido pregado hoje, logicamente que não seria sobre um monte, mas às escondidas, e diria algo mais ou menos assim:
Não deem a pérola, que é fruto do seu trabalho exaustivo, para governos corruptos que no lugar de hospitais e escolas, constroem monumentos faraônicos aos deuses das celebridades sem cérebro. Que edificam estádios onde aqueles que foram comprados vitaliciamente pelas multinacionais do esporte, mas que nasceram exclusivamente pelo beneplácito de um povo cuja paixão de torcedores os faz relevar suas inconsequências. Para que cães famintos que para defenderem organismos impessoais e gananciosos se voltem contra vocês com argumentos expelidos pelas suas cloacas.

Não deem o seu santo dinheirinho àqueles que não chegaram ao poder pela competência em legislar, pela habilidade administrativa ou por uma ficha de serviços dignos à nação, mas por engodar os inocentes que ao receberem apenas o que lhes é devolvido por direito, se tornam mulas carreadora de votos como se isso fosse uma obrigação. Não deixem que aqueles que sem se esforçarem para se graduar em uma ciência benéfica à humanidade, que foram apenas bafejados pela sorte de nascerem com habilidade de chutar uma bola maior que a média, pisem com seus pés ridicularizando-os quando o ímpeto de vocês explode clamando por justiça e quando enfrentam a truculência de uma polícia burra em buscam dos seus direitos.

Se não nos bastar o que Jesus disse: Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. Vejam o que Santo Agostinho pensava sobre isso: Fiquem atentos “para que não se dê por caridade o que se deve por justiça”.



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