O medo do medo I

Aí ele perguntou: — Por que é que vocês são assim tão medrosos? Vocês ainda não têm fé? Leiam Marcos 4.35-41
Cristo e a tempestade, Giorgio Chirico (1888-1978)
Todos nós conhecemos o medo, uns de alguém outros de alguma coisa, mas o certo é que todos nós temos medo. Então o que nos tememos? O que é que nos deixa apreensivos? O que é que nos acorda sobressaltados no meio da noite? É o desconhecido? O inesperável? O incontrolável? O medo se apresenta de formas variáveis nos nossos dias. Para alguns é o medo de falhar, porque temos medo de repetir os erros do passado, por isso evitamos fazer coisas novas. Não nos aventuramos a fazer muito por causa do medo de falhar de novo. E o contrário disso é o medo de perder o sucesso.

Uma pessoa num voo transoceânico disse o seguinte: Eu estou no apogeu do meu sucesso pessoal. Conquistei tudo de bom que a vida podia me oferecer. Mas eu tenho medo de perder tudo isso. Fico pensando se não seria melhor que esse voo caísse e um morresse no auge. Antes de falhar eu prefiro morrer, para ser lembrado pelo meu sucesso e não pelas minhas falhas. É estranho demais esse pensamento? Para os jovens pode ser, mas para os de mais idade, como eu, duvido muito.

O medo de mudanças assusta a todos nós. Apavora até mesmos os inovadores mais criativos. Chega um tempo em que todos nós vamos gostar das coisas como elas são. Um prazer enorme em ver tudo continuar como está, e de repente, alguma coisa chega e atropela os nossos valores tão bem organizados. Vem alguma coisa e estraga os nossos preconceitos prediletos. Azeda os nossos velhos hábitos e cacoetes. Ao lado disso está o nosso medo de perder, perder especialmente os nossos entes queridos.  Não me diga que você não tem esse medo, porque a roda de pessoas significantes que nos circunda é crucial para nós. Ninguém, absolutamente ninguém gosta de perder pessoas que mudam para outras cidades, muito menos por causa da morte.

Temos muito medo também da rejeição. Daí nossos propósitos se tornarem uma extensão dos nossos medos, porque quando não são recebidos com entusiasmo pelos outros, bate a frustração de ter falhado. Acontece no casamento, onde a falta de afeto é interpretada como rejeição. Todo mundo necessita de afirmação e encorajamento, e precisa disso constantemente, pois as lembranças das rejeições que temos sofrido se juntam em nosso consciente, e nos faz esperar uma rejeição a cada iniciativa ou relacionamento. Por isso não nos entregamos por inteiro a uma relação ou a um projeto.

Eu vivo tentando fazer as coisas que garantem que os outros vão me amar e me apreciar. Em vez de pregar o evangelho a toda criatura, eu tento fazê-las me admirar, e por conta disso o meu ego tem sofrido duros golpes, assim como o ego de todo mundo, pois ninguém nasce adulto. Bem, Adão nasceu, por isso o mundo era um paraíso para ele. Mas quero ver quem mais nunca sentiu esse tipo de golpe. A minha vida é esperar sempre um novo ataque dos outros. Eu não tenho o costume de confessar a minhas faltas, porque eu quero manter uma barreira protetora ao redor de mim, Eu não deixo ninguém chegar até certo ponto, eu tenho reservas em confiar por medo de ser rejeitado, roubado ou enganado de novo. Nesse mundo de hoje só um tolo não teria.

Temos medo também do crescimento emocional e intelectual. Simplesmente detestamos ideias que nos forçam a uma reorientação intelectual. Podemos observar isso muito na igreja. Como é difícil enfrentar algo novo na fé com boa vontade. Nem preciso ir tão longe, como é difícil dizermos ou ouvirmos algo novo na Escola Dominical. Achamos que isso irá desmoronar tudo que era sagrado para nós. Por anos eu lutei contra a graça de Deus exatamente por isso: como pode Deus amar o pecador? Ainda é difícil entender isso. Nós estamos sempre fugindo dos diálogos penetrantes ou das análises que revelem o que nós somos realmente, e que revelem o porquê somos assim. Temos trancado bem a porta que dá acesso aos nossos sentimentos por medo da dor que podem nos causar.

Tanto meu filho experimentou, quanto meu neto hoje experimenta, assim como eu experimentei um dia a chamada dor do crescimento. Quando me dizem que a infância é a coisa mais linda do mundo, eu digo: a minha não, porque eu me lembro muito bem dessa dor. Será que eles ainda sentirão quando ficarem velhos? Bom, eu sinto.

Também muitos de nós evitamos fazer alianças sérias com pessoas ou com causas. Tentamos sempre nos manter a uma distância segura que nos permita recuar quando preciso. Temos medo do futuro, principalmente aqueles para quem o futuro não é esperançoso. Ficamos pensando no que a vida nos trará. O mundo parece que está doente demais para o jovem casar e criar uma família. Quem não está apreensivo?

Mas todos esses medos estão ligados ao grande medo: o medo da morte. (continua)



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