Não convide estranhos

Não olhes para o vinho, quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo e se escoa suavemente. Pois ao cabo morderá como a cobra e picará como o basilisco. Os teus olhos verão coisas estranhas, e o teu coração falará perversidades. Provérbios 23.31ss
Imagem copiada de www.abb.com
Muito de passagem, na manhã de ontem, observei a propaganda de uma campanha promovida pela católica Revista de Aparecida que dizia algo assim: Não convide estranhos para dentro do seu carro, em uma clara alusão às fitas do Senhor do Bonfim que estavam penduradas no retrovisor na foto que tomava toda a página. Confesso que me surpreendi com o uso da palavra estranho para a conhecida lembrança que é massiçamente comercializada no entorno da basílica que leva o nome que nela está estampado. Sem querer entrar em detalhes, gostaria de fazer um breve comentário das coisas estranhas que tem entrado em nossos carros, em nossas casas e, principalmente, em nossas igrejas.

Antes de começar, quero ressalvar que considero estranho apenas o objeto de culto de uma religião que está sendo desavisadamente usado em uma outra religião diferente. Acho perfeitamente válido e normal que uma religião lance mão dos seus símbolos, amuletos e imagens nos seus cultos, e reconheço que estes tem um significado marcante, que a minha ignorância sobre o assunto não tem o direito de fazer qualquer julgamento.

Ainda com relação às fitas, vejo que a liderança da Igreja Católica Romana tem sérias reservas ao seu uso pelos fiéis desta igreja. Imagino que a campanha vise combater algum tipo de sincretismo religioso que estes objetos vem demonstrar. Talvez um sincretismo antigo com as religiões de origem africana na tradição católica baiana, que até então foi permitido, mas que agora é combatido por não encontrar eco nas doutrinas católicas. Pode ser também que esta campanha, mais do que combater símbolos estranhos, tenha por finalidade restaurar a verdadeira fé apostólica, segundo a tradição desta Igreja, pois nada é mais comum nas residências de muitos cristãos do que estátua de Buda, elefantes da sorte, olhos da Capadócia ou amuletos orientais. Estes são mais flagrantes e identificáveis.

Mas quando o sincretismo se estabelece com respaldo bíblico entre as religiões que fazem uso deste livro, o que fazer? Sabemos bem que a maioria das relíquias da Igreja Católica se apresenta como verdadeiras abominações no conceito de muitas igrejas protestantes. Por que não acontece assim com os símbolos do Judaísmo que invadiram de vez estas mesmas igrejas? Por que não posso fazer o sinal da cruz, mas posso tocar um shoffar? Por que posso me curvar diante de uma réplica mal enjambrada e pouco fiel da Arca da Aliança, mas não posso render graças diante da imagem de Maria, mãe de Jesus, que foi uma mulher declarada santa e única na rígida avaliação das Escrituras Sagradas? Por que as igrejas tradicionais, mesmos as de mais monolítica doutrina, se dobraram às práticas neopentecostais que combatiam severamente há pouco mais de cinquenta anos?

Continuamos presos ao velho bordão dos Dez Mandamentos que proíbe o uso de imagens, sem procurar entender a complexa profundidade do texto, e desprezando qualquer consideração sobre o seu contexto. Não levamos em conta os eventos históricos que levaram a igreja cristã ser o que ela é, na mesma proporção em que desconhecemos suas causas e suas consequências.

A palavra estranho é por demais apropriada nesta questão, porque na realidade, os objetos de culto de outros credos são tão estranhos quanto às práticas e doutrinas de outra denominação que vagam livremente em nossas igrejas. Para poder identificar o que é e o que não é estranho o fiel deve conhecer, antes de tudo o que é próprio da sua igreja, para depois, então, saber se deve ou não dar o seu aval.

Infelizmente, ainda vivemos sob o estigma das simpatias das nossas velhas tias-avós que repetiam sempre: Se não fizer bem, mal não faz. Faz mal sim, e muito. São os pequenos deslizes que levam a grandes delitos. Israel começou imitando seus vizinhos nas inocentes cerimônias das luas cheias, acabou sacrificando nos altares crianças inocentes. Não se iludam, não troquem o seu primeiro amor pelo modismo que parece estar dando certo. No final ele pedirá a sua alma.

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