O inimigo do amigo

Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais? Jonas 4.10s
Jonas e Nínive, estraída do blog www.macasdeouro.com
Um ditado popular que muitos consideram ser tirado das páginas do Primeiro Testamento é esse: O inimigo do amigo é meu inimigo, já o inimigo do inimigo é meu amigo. Não se pode dizer que da quantidade enorme de narrativas contidas nessa parte da Bíblia não se encontre textos que corroborem com esta ideia. Em alguns deles induzem à prática efetiva de atos ainda mais abomináveis que esta subjetiva acepção de pessoas, como, por exemplo, o final do salmo 137 que diz: Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra. Textos que nitidamente relatam mais propriamente o estado emocional do escritor do que o pensamento geral da Bíblia. A Bíblia não seria um livro inspirado por Deus e escrito por seres humanos se não contivesse essa mistura inconcebível de sentimentos, reações, desejos e manifestações.

Porém, como não se pode julgar um livro pela capa, muito menos se pode julgar uma biblioteca por alguns textos isolados. A Bíblia é e pode ser chamada de biblioteca quando são considerados a variedade de autores, a imensa gama de assuntos, as diferentes épocas a que se referem os seus relatos, os inúmeros gêneros literários e a multiplicidade de contextos nela contidos. Desde os relatos mais íntimos do amor carnal às mais alucinatórias visões da realidade. Desde os textos que, como foi dito, corroboram com o ditado acima, às expressões mais sublimes do amor desinteressado.

O livro de Jonas serve muito bem para que se tenha uma noção exata da amplitude da Bíblia, como também que se compreenda que, no final, todos os relatos concorrem para um propósito único.

A saga deste profeta tem a marca registrada do antigo Israel e de um bom segmento da igreja moderna. Um povo que tem a pretensão de possuir o amor e a atenção exclusivos de Deus. Um povo que se sente traído quando percebe que Deus opera com intensidade fora dos seus limites, e, às vezes, contra os seus interesses. Um povo que definitivamente quer que todos os povos que são diferentes dele se percam e sejam aniquilados.

Jonas recebeu o primeiro recado de Deus quando viu os marinheiros de várias nações pagãs se curvarem ante o menor sinal do poder do seu Deus. Viu-se completamente transtornado ao perceber que a grande Nínive ia se convertendo à medida que a mensagem de arrependimento saía da sua boca. Sua revolta chega ao clímax quando recebeu a notícia de que o todo poderoso rei da Assíria se vestiu de saco, se arrependeu de suas iniquidades, voltou a sua adoração para o Deus de Israel e ordenou que todo o povo fizesse o mesmo.

O final do livro traz uma mensagem avassaladora, que relativiza todos os textos de sentido obscuro, como também derruba por terra todas as interpretações que possam induzir ao ditado acima. Se Jonas pôde se compadecer de uma planta, a qual não semeou, nem ajudou no crescimento ou sequer a regou, como Deus não haveria de se compadecer dos cento e vinte mil habitantes da cidade de Nínive e das centenas de milhares de animais que lá eram criados?

Que caduquem todos os conceitos de salvos e não salvos. Que se revejam todas as estratégias de evangelização. Que a igreja atente para o verdadeiro propósito da sua missão, que está longe de ser, como pretende, a menina dos olhos do Criador. Os olhos de Deus estão voltados e fixados naqueles que, na ausência de uma mensagem fiel e verdadeira, não sabem distinguir entre a mão direita e a mão esquerda. Quer seja a medida do seu grau se desenvolvimento cultural e social, mesmo que a disparidade se compare entre as pequenas e incultas nações ante a portentosa civilização assíria.

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