Vitórias íntimas

Bendito o SENHOR, que não nos deu por presa aos dentes deles. Salvou-se a nossa alma, como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos vimos livres. Salmo 124.6s
Templo para se orar em secreto na Capadócia
São realmente muito poucos os salmos que declaram a derrota fragorosa do inimigo. O espírito do salmista, que acompanha o espírito da Bíblia inteira, sempre coloca o suplicante escapando na última hora, por um triz ou por um detalhe que nem ele mesmo soube explicar. Logicamente, e a história assim comprova, que Israel nem sempre era a parte injustiçada do conflito, nem sempre o seu inimigo era um opressor sanguinário e nem sempre o citado inimigo merecia uma severa punição.


O que o salmista faz questão de exaltar nesses salmos de livramento não é nem tanto a derrota de inimigo em contraste com a vitória de Israel, mas a providência de Deus quando já não havia mais esperança. Esses são casos típicos onde não há vencedores e nem vencidos, nem exaltados e nem humilhados, nem ganhadores e nem perdedores. Essa distinção tem para o salmista dois propósitos bem específicos: ao mesmo tempo em que louva a Deus por um livramento sutil, mas eficiente, dá ao outro lado a oportunidade de ver que o seu Deus não é um Deus vingativo e muito menos punitivo, deixando abertas as portas para que os povos inimigos de Israel também venham a crer e adorar o seu Deus.

Em uma análise rápida poderíamos bem dizer que esses elementos constituem um protoevangelho que veio revelar, de uma vez por todas, que a tendência de Deus em um conflito entre humanos é sempre pender para o lado da justiça, não importando exatamente quem tem o direito. Neste embate entre o direito e a justiça podemos afirmar que a Bíblia é realmente pioneira. Mesmo os códigos de leis mais famosos e mais citados da antiguidade, como é o código babilônico de Hamurabi, eram bastante discriminatórios, fazendo um tipo de justiça ao rico e outro ao pobre. Na contramão dessa história secular, vem a Bíblia proclamando as Leis Humanitárias do Deuteronômio, para dar um banho de civilidade e da verdadeira essência da justiça, que dá a quem precisa e não a quem tem direito.

Nós os cristãos deveríamos prestar mais atenção nesses salmos, e em vez de estarmos sempre clamando por vitórias glamourosas em nome de Deus, termos a consciência de que dentre as principais características da vida de qualquer cristão estão os riscos iminentes e livramentos tangenciais, quando esses, por ventura, vêm a acontecer. Nem sempre conseguiremos o emprego que desejamos, nem sempre a cura nos será concedida e nem sempre, de forma clara e visível, triunfaremos sobre o mal. Nossas vitórias serão sempre discretas e perceptíveis apenas a uns poucos olhos atentos. As maiorias não as aceitarão como uma providência milagrosa de Deus, e sim como uma simples coincidência.

Uma velha tia tinha como lema um texto que eu sempre pensei que fosse mais um dos vários provérbios bíblicos, e esse lema ela fazia questão de difundir na família através de uns pequenos quadros pintados com esse texto. Todas as casas dos meus parentes paternos tinham obrigatoriamente que ter esse quadro na parede da sala, sempre ao lado do quadro dos dois caminhos. O lema era o seguinte: Sê como o sândalo que perfuma o machado que o fere. Pode não estar na Bíblia, mas é profundamente bíblico. Este seria sempre o resultado ideal num conflito entre cristãos e cristãos e também entre cristãos e não cristãos.

De uma maneira muito particular, mesmo sem nunca ter feito uma citação semelhante, Jesus viveu sob esse lema, principalmente quando a ofensa era dirigida a ele pessoal e individualmente. Quando não eram os seus pequeninos os agredidos, os agressores nunca saiam sem receber algo de bom e proveitoso para as suas vidas. Em seus conflitos, Jesus primou por deixar mais um alerta às consciências do que fazer propriamente um julgamento sumário.

Como diria o meu amigo, pastor Jonas: pense nisso!

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