Não colocarás Deus à prova

Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus. Mateus 4.10
A tentação de Cristo, Botticelli em 1498
Através de uma leitura subliminar podemos considerar que a primeira tentação de Jesus não foi exatamente a de transformar pedras em pão para saciar a sua fome, mas sim a de colocar Deus a prova: Mt 4.3 - Então, o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus... E não foi a única vez, pois essa foi uma tentação que o acompanhou até os seus últimos instantes. Em alguns momentos cruciais da sua vida ela esteve presente, assim como no desfecho das maldosas palavras do ladrão na cruz: Lc 23.39 - Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. A este podemos juntar os soldados romanos, os sacerdotes e fariseus e a população de Jerusalém.

O desejo velado de ter uma prova física é algo que está sempre presente na nossa relação com Deus. Quem não é aquele que gostaria de ver as suas orações respondidas de imediato? Esse desejo pode fazer com que interpretemos passagens do Primeiro Testamento, como a luta de Jacó com o anjo narrada em Gn 32, e a prova do chumaço de lã requerida por Gideão em Jz 6 como regras de conduta definitivas de Deus.  Contudo, esse desejo não correspondido pode levar muita gente a duvidar da existência ou da providência de Deus em um grau acentuado de vezes, quando não faz as pessoas trocarem de igreja por duvidarem que Deus esteja presente e atuante naquele local.

Outros tantos subvertem o verdadeiro sentido da profecia de Malaquias fazendo com que suas palavras especificamente dirigidas a um contexto sejam aplicadas em toda e qualquer situação: Ml 3.10 - Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida.

Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus. Que foi Jesus quem disse, todos sabemos, mas onde está escrito isso? Em que contexto? A que situações se aplica? De onde ele desencavou tão controvertida afirmação?

Pelo que se pode conferir, a expressão foi retirada do episódio bíblico descrito em Gn 17 e que ficou conhecido como “as águas de Meribá”. Uma narrativa que mostra onde pecado coletivo do povo se junta ao pecado individual do seu líder, Moisés, causando consequências terríveis a todos. Um episódio que se estabeleceu como um alerta dessa transgressão para todas as gerações futuras.

Aqui temos um exemplo de como esse pecado pode atingir em cheio a igreja de hoje. Temos aqui um ensinamento claro de como um simples e aparentemente inocente pedido pode alavancar todo um processo de iniquidade. O povo no deserto pedia uma prova. Para isso não ousava dirigir-se diretamente a Deus, mas a Moisés, seu representante. Por um momento de aflição, o povo passou a questionar toda obra de Deus desde que saíram do Egito. O mesmo povo que foi tirado com mão poderosa da escravidão de Faraó, que viu o mar se abrir e se fechar diante dele, que foi sustentado pelo maná e guiado pela nuvem no deserto, estava sucumbindo à tentação de querer ver o seu desejo realizado de imediato. Transformaram um breve e fugaz momento de incerteza na prova decisiva da presença e da providência de Deus.

Na outra ponta temos o salvador da pátria. O líder religioso que se prontifica a ser a solução de toda a questão. Antes demais nada, ele se isenta da responsabilidade quanto ao resultado, para poder assim legislar soberano. Depois, toma sobre si o poder, fazendo crer que as águas brotaram da pedra pela sua própria capacidade de realizar milagres.

Quando deixamos de colocar o único e soberano Deus como o centro das nossas vidas sujeitando a ele todas as coisas, caímos fatalmente nesse pecado. O pecado de fazer valer mais uma situação do que toda uma existência. Esse mal nos enfraquece a ponto de nos deixar levar pelos oportunistas da fé, que estão sempre de plantão para se beneficiar de qualquer vacilo da nossa fé.

Não colocar Deus à prova não é somente uma atitude de reverência e respeito. É antes de tudo uma afirmação consistente de que a nossa fé atingiu a maturidade suficiente para sobreviver a muitos infortúnios. 

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