Teologia e heresia

O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo, acima do seu senhor. Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos? Portanto, não os temais; pois nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que não venha a ser conhecido. Mateus 10.24-26

Último julgamento, Fra Angelico
Ao ouvir mais uma excelente mensagem do rev. Ed René Kivitz fui surpreendido com uma confissão bombástica, sincera e ao mesmo tempo muito corajosa. Disse ele: Se a tua teologia é original é heresia. Esse foi o seu argumento usado contra aqueles que dizem autoiluminados e que proclamam como verdadeiras as visões alucinatórias dos seus transes mediúnicos. Com isso ele quis dizer que a mensagem que prega não é produto do seu intelecto, mas é fruto de uma longa cadeia de pensadores que vêm estudando a ação de Deus na história ao longo desses dois mil anos de Cristianismo.


Pode ser que isso pareça comum, ou pelo menos que deveria parecer comum, mas a nossa realidade é bem diferente. A preferência da igreja tende a acatar mais a voz daqueles que pregam debaixo da sua própria autoridade, do que daqueles que se fundamentam em pensadores do passado. O meu amigo João Wesley Dornellas certa vez foi surpreendido com a seguinte declaração: eu gosto muito da sua aula, mas não gosto quando você repete as coisas que aquele seu parente falou. A pessoa disse isso imaginando que o João era descendente de John Wesley, a quem seus pais homenagearam. É estranho que alguém que frequente uma igreja metodista não queira aceitar que o que John Wesley pregou e deixou como legado seja o melhor do pensamento evangélico para ela. Estranho, porém real. Talvez os líderes neopentecostais hoje falem mais alto nessa igreja do que qualquer pensador genuinamente metodista.

Eu não creio no livre arbítrio, então vá ser batista. Eu creio na predestinação, então vá ser presbiteriano. Eu creio em manifestações visíveis e frequentes do Espírito Santo, então vá ser pentecostal. Falo isso com muito critério, porque, embora seja eu essencialmente arminiano, frequento e prego em uma igreja de origem calvinista, porque é uma dos últimos redutos onde consigo viver a minha fé de origem, pasmem vocês.

O rev. Ed René não está sozinho nesta empreitada. Ele está seguindo os passos da dura batalha que o apóstolo Paulo teve que travar com os Espirituais de Corinto: aqueles que não eram de Pedro, de Paulo e nem de Apolo, mas exclusivamente de Jesus. Essa foi e continua sendo uma declaração bastante capciosa. Uma vez que eu tenha recebido a mensagem do evangelho diretamente de Jesus, não tenho mais necessidade de ouvir ou meditar sobre outra mensagem pregada por alguém que recebeu a sua mensagem de outro pecador mortal como ele.

Pergunta em seu sermão o rev. Kivitz: Por que é que um sujeito acredita em alguém que diz que Deus falou com ele hoje à noite, e não confia num sujeito que tenta discernir o que Deus vem falando ao longo de dois mil anos de História da Igreja? Não sei se a resposta foi omitida no resumo do sermão que ouvi, mas sei que a pergunta ficou no ar. Por que alguém faria isso: trocar o que vem dando certo, ainda que precariamente, por algo que a própria História já provou não ter futuro? Não pensem que este movimento neopentecostal é novidade. Tanto a igreja de Corinto, quanto muitas outras no passado, já amargaram o fel desse evangelho, e consequentemente colheram seus frutos podres que resultaram em separação, fraude, enriquecimento ilícito e mau juízo da igreja por parte dos pagãos.

Jesus, mesmo sendo chamado de Belzebu, o príncipe dos demônios, não arredou pé de levar até as últimas consequências a sua missão profética. Jesus, mesmo ciente de que os seus seguidores seriam perseguidos e odiados por aqueles que preferem acreditar no imediatismo de uma revelação estranha à Bíblia, não lhes deu qualquer poder imunológico. Pelo contrário, recomendou apenas perseverança, pois se chamam de demônio o Mestre, do que não chamarão os seus discípulos?

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