Beatificação ou humilhação?

O SENHOR Deus diz: “Aqui está o meu servo, a quem eu fortaleço, o meu escolhido, que dá muita alegria ao meu coração. Pus nele o meu Espírito, e ele anunciará a minha vontade a todos os povos. Isaías 42.1
Cristo carregando a cruz, Giovan Battista Tiepolo em 1737
Alguém conhece algum São Isaías, Santo Amós ou São Jeremias? Alguém já se deparou na Bíblia com um processo de beatificação ou de santificação de qualquer dos profetas do Primeiro Testamento? Alguém já viu alguma representação de Elias, Eliseu ou mesmo Moisés com uma acentuada áurea sobre a sua cabeça identificando-o dos demais?Se você tem como resposta um não, acaso já teria se perguntado por quê?


Alguns bons motivos me ocorrem nessa hora. Seriam eles menos consagrados dos que os homens e mulheres que nasceram durante ou depois do nascimento de Jesus Cristo? Teriam estado sob a direção de Deus com menos rigor do que os apóstolos? Seus martírios e perseguições aconteceram em menor grau de intensidade do que o que foi imposto aos santos e santas venerados por grande parte da igreja cristã em todo o mundo? Teriam realizado a vontade de Deus pela metade?

A parábola do semeador também pode nos oferecer alternativas que corroboram com esta distinção. Os homens e mulheres do passado distante foram as sementes citadas por Jesus, que caíram na beira da estrada, entre os pedregulhos e as que foram sufocadas pelos espinhos. Somente dos cristãos autênticos se pode dizer que são sementes que caíram em terra fértil.

De uma coisa eu tenho certeza absoluta: nenhum desses santos ou santas reconhecidos pela igreja endossaria ou permitiria qualquer movimento em prol da sua beatificação. Tenho sérias razões para acreditar que todos esses que foram considerados santos após o início desse processo formal declaram, assim como fez o Papa João Paulo II, a reprovação incontestável da indicação do seu nome a esta consagração. Mesmo porque, aqueles que o fizessem já não seriam merecedores dessa distinção.

O Primeiro Testamento tinha também seus heróis. Consideravam em alta referência da mesma forma os homens e mulheres que foram grandemente usados por Deus no seu tempo. Reconheceram que era o Espírito de Deus quem os guiava e que era em seu nome que estas pessoas se pronunciavam. Mas nunca sentiram a necessidade de fazer deles pessoas diferenciadas ou que merecessem qualquer veneração ou superestima. Pelo contrário. Essas pessoas eram as mais vigiadas, foram as que tiveram as suas vidas mais expostas e as mazelas mais conhecidas. Parece que o Primeiro Testamento em vez de instaurar um processo de beatificação empenhava-se em fazer uma varredura na vida pregressa do pretenso enviado de Deus, para que uma vez atestada a sua humanidade, a sua atitude ou mensagem fosse reconhecida como autenticamente divina.

Hoje em dia se faz diferente. Quando morre uma pessoa que se destacou na vida cristã investiga-se o que ela contribuiu positivamente com o evangelho, para que seu nome seja exaltado acima dos demais mortais.

Não quer opinar sobre as leis canônicas de um segmento do Cristianismo ao qual não faço parte, mas não posso me deixar de observar essa mudança brusca no comportamento daqueles que foram chamados por Deus ao longo da história da humanidade. O próprio Isaías, um dos grandes nomes da História da Salvação, não omitiu o fato de que reconheceu dentre os seus contemporâneos alguém em quem notoriamente o Espírito de Deus agia mais livremente. Contrariando tudo o que se diz e o que se faz hoje em dia, ele não chamou esse indivíduo de santo ou o tratou como um superconsagrado. Chamou-o simples e devidamente de servo de Deus. Não um belo servo para ser admirado, mas um servo humilhado, afligido e cuja aparência era repugnante. Foi justamente esse que muito mais do que a exaltação doa homens, recebeu a exaltação do próprio Deus.

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